Aedes do bem?

Mário Camargo

 

Em 26 de outubro de 2016, a Oxitec inaugurou sua fábrica de mosquitos geneticamente modificados com 5 mil metros quadrados no distrito industrial Unileste. À época, a empresa dizia ter investido cerca de R$ 20 milhões para construção.

Os chamados “Aedes do bem” já vinham sendo utilizados em Piracicaba desde julho de 2015 na tentativa frear a transmissão da zika, dengue e chikungunya.

Segundo a empresa, os machos transgênicos não picavam e não transmitiam doenças.  Ao se reproduzir com fêmeas selvagens do Aedes aegypti, os filhotes desse cruzamento herdariam um gene fazendo com que eles morressem antes de se tornarem adultos.

Mas não é bem assim. Apenas dois anos depois, em julho de 2018, a Oxitec Brasil decidiu desativar sua fábrica em Piracicaba. De acordo com matérias publicadas na época, o motivo seria a transição para uma versão mais moderna dos mosquitos transgênicos, a OX5034, lançada em um projeto-piloto em Indaiatuba, que dispensava as antigas instalações.

A justificativa é questionável. Será que uma empresa de tecnologia não saberia que uma fábrica de 5 mil metros quadrados ficaria obsoleta em dois anos?

Além disso, em matéria publicada no site Rede Brasil Atual, o professor da Unicamp e integrante da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), entomologista Mohamed Habib, diz que “é nula a diferença entre a primeira e esta nova geração tecnológica do mosquito em termos de eficiência e segurança à saúde e ao meio ambiente. Ambas não funcionam e ainda representam riscos”, alertou.

Para o professor, os insetos modificados “poderiam funcionar em áreas insulares, como ilhas, vales cercados, mas não em extensas áreas abertas, em que os mosquitos voam livremente de um ponto para outro, se reproduzindo, como ocorre nessas localidades. E Piracicaba, por exemplo, não é área insular, mas uma extensa área plana”, afirmou.

Ainda segundo a matéria, Habib classificou a tecnologia como “papo furado” em termos de controle da população de Aedes aegypti selvagem, e a Oxitec como criminosa por enganar gestores e a população, feita de cobaia.

Outro fato interessante é que o anúncio do fechamento da fábrica de Piracicaba coincidiu com o lançamento de um relatório pela organização britânica GeneWatch em que o observatório especializado em pesquisas, políticas e ações envolvendo organismos geneticamente modificados chama a atenção das autoridades brasileiras para o fracasso dos mosquitos transgênicos da primeira geração tecnológica soltos pela Oxitec nas Ilhas Cayman, território no Caribe pertencente à Inglaterra.

O relatório revela o descontentamento das autoridades com a tecnologia, que apresentava resultados bem abaixo dos propalados na redução da população de Aedes selvagem, e considerava seu custo elevado, que chegaria a US$ 8 milhões para três anos de contrato. O documento revela também manobras realizadas em experimentos para manipular resultados em busca de dados favoráveis.

Sobre soltura do mosquito transgênico nas Ilhas Cayman, o relatório diz: “Após o início das liberações na área de tratamento, houve um aumento significativo no número de fêmeas coletadas no local. Desde o início das liberações, a captura semanal média na área de tratamento foi de 1.72, comparado a 1.13 na área não tratada (52% mais alta)”.

Em outra parte, cita informação que a “análise estatística do índice de positividade de ovitrampas nas áreas não tratadas e tratadas mostra que a redução observada na área de tratamento não é estatisticamente significante…”. E relata que a média dos ovos nessas armadilhas aumentou “18% na área tratada e 11% na área não tratada”.

O alerta do observatório britânico GeneWatch, diz que no caso brasileiro, em bairros de Jacobina e Juazeiro (BA), Piracicaba (SP) e Juiz de Fora (MG), com a promessa de reduzir as populações do Aedes aegipti transmissor do vírus da dengue, zika e chikungunya, não funcionaram, eram caros e colocavam a saúde da população em risco.

Não bastasse o relatório, a emissora alemã Deutsche Welle publicou em seu site matéria em que diz que pesquisadores esperavam que descendentes de “Aedes aegypti” geneticamente modificados morressem antes de chegar à fase adulta. Mas que teste na Bahia acabou, porém, criando nova geração de mosquito, que pode ser mais resistente.

Segundo a publicação, nas várias amostras, entre 10% e 60% dos mosquitos apresentaram alterações correspondentes às dos transgênicos no genoma, de acordo com estudo publicado em 10/09/2019 na revista especializada Nature: Scientific Reports.

Combater a dengue, zika e Chikungunya é tarefa do poder público. Se fossem realmente eficientes, os mosquitos transgênicos seriam amplamente usados em outras partes do mundo. Não é o caso. Agora o prefeito de Piracicaba anuncia que a tecnologia questionada será novamente usada na cidade. Errar uma vez é compreensível. Mas persistir no erro.

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Mário Camargo, jornalista

 

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