Símbolo e Arquétipo

Gabriel Chaim

 

Nesta segunda parte da série de artigos sobre a Arte Sacra, é necessário que nos debrucemos sobre o veículo mais importante em que as artes do Sagrado se manifestam, o Simbolismo. Alerto ao leitor sobre o teor dos conceitos a seguir e sugiro que os trate com paciência. Ao escrever esta coluna, tenho a intenção de ser o mais inteligível possível e trabalharei com exemplos para ser mais didático.

Para iniciarmos de uma maneira fácil e objetiva, é possível afirmar que: toda e qualquer produção artística dedicada à fé utiliza de símbolos para comunicar os dogmas referentes à determinada religião. Tais dogmas, como explicado no texto anterior, têm sua origem no advento da Revelação, que se manifesta nas mensagens proféticas que inauguram ou reformam as religiões. Essas mensagens divinas têm sua origem no plano espiritual, diferente do plano terreno que nos encontramos. Portanto, para que sejamos capazes de acessar e disseminar essas mensagens do “além-mundo”, fazemos uso de associações e analogias com elementos deste mundo. Essas associações e analogias são chamadas de Símbolos.

Para exemplificar o que quero dizer, gostaria de transportar o leitor às  Catacumbas de Roma, no começo da fé Cristã. Lá, tanto adeptos do Cristianismo como do Politeísmo Greco-Romano estão enterrados, mas para que se pudesse distinguir uns aos outros, faziam-se uso de símbolos. A figura do “pavão” foi um elemento adotado para identificar o local de repouso de um cristão. Embora este símbolo do Cristianismo primevo não seja visto com tanta frequência hoje em dia, ele está associado à promessa cristã de Vida Eterna e Ressurreição. Tal associação é dada com o ciclo das penas do pavão que, por caírem (referenciando a morte), renascem em seguida, preservando a beleza e o aspecto de jovialidade da ave (como a Ressurreição e a Vida Eterna).

 

Os exemplos são incontáveis, todas as artes do Sagrado são compostas de símbolos. Na tradição Islâmica, por exemplo, há uma íntima relação entre a água e o divino. Por ser uma fé que nasceu no deserto, o Islã faz referências da presença de Deus como um oásis; até mesmo a descrição do paraíso é dada como o próprio Jardim do Éden. Naturalmente, por sua essência simbólica, Deus está relacionado à fonte que permite que a vida floresça e se desenvolva nas condições adversas do deserto, provendo refúgio e proteção aos que seguem seu encontro. O Corão, livro sagrado dos muçulmanos, apresenta a água como a manifestação da misericórdia de Deus. Isso torna-se um conceito fundamental para a fé do profeta Muhammad que chama a Deus de “O Misericordiosíssimo” ou “O Todo Misericordioso”. Isso denota, novamente, a condição de “associação” que é inerente ao símbolo. Tem-se um conceito substancialmente abstrato e pertencente ao intelecto (a misericórdia) e é feita uma conexão com algo palpável pertencente ao plano terreno (a água), produzindo, então, um símbolo. Tal conceito é facilmente atribuído a Platão, filósofo grego do século IV a.C., e ao “Mundo das Ideias”. Para Platão, por de trás do nosso mundo terreno, chamado de “mundo sensível”, porque é percebido por meio dos cinco sentidos (visão, olfato, paladar, tato e audição), há uma realidade abstrata chamada de “Mundo das Ideais” que só é acessada por meio do Logos, a razão, o intelecto.

De uma forma mais poética, na narrativa do Gênesis, a criação do mundo de acordo com as fés Abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islã), o Criador faz o homem do barro (um elemento terreno), porém, para que lhe fosse dado a vida, Deus assopra o espírito dentro do homem (um elemento divino), fazendo-o fisicamente presente no plano terreno, mas associado em essência ao sagrado: “Então o SENHOR modelou o ser humano do pó da terra, feito argila, e soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem tornou um ser vivente” (Gênesis 2:7). Esta conexão que o ser humano possui com o divino era chamada pelas tradições antigas de intelecto e, este mesmo intelecto, dá acesso a conceitos (também chamados de arquétipos) que são invisíveis, inaudíveis e intangíveis, enfim, abstratos, mas que são apreendidos de maneira racional e, por consequência, têm que adotar meios formais (como som ou imagem) para se fazer presentes no mundo sensível. Portanto, para finalizar, a Arte Sacra tem como objetivo comunicar esses arquétipos por meio de símbolos.

___

Gabriel Chaim, pintor, bacharel em Design Gráfico (ESPM), mestrado em Artes Visuais Islâmica e Tradicionais na Prince’s School of Traditional Arts, mestrado em Pintura no Wimbledon College of Arts

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima