Portugueses maravilhosos

Camilo Irineu Quartarollo

 

Vou desejar bom dia, mas não vou beijar o português da padaria. Conheci muitos portugueses dignos de nota e se não tiverem notas não ligarão. Esses irmãos lusitanos são personagens de piadas, anedotas dos brasileiros. De tão costumeiro que nem ligam. Os nomes portugueses masculinos consagrados são dois: Manuel e Joaquim. Ou Maria, para a esposa destes. Os que conheço têm nomes bem diversos. O Carlos me disse que não são piadas “são verdades”. Um humorista brasileiro foi à Lisboa e perguntou se lá não contavam piadas de brasileiros, o português respondeu “e precisa?..”.

Estou a falar dos portugueses, mas há o mesmo com os argentinos, chineses, russos e outros, cada qual com um estereótipo. Contudo, o português tem valores sentimentais e recolhidos num repositório de saudades que sabe cantar em prosa e verso.

Os palhaços de profissão adoram quando riem deles, aliás se fazem de ridículos e, por ironia, eles estão representando nossas vidas, nós somos os ridículos.

Conheci o seu Albino, outro que não é Manuel nem Joaquim. Era sapateiro. Os portugueses quando vinham fazer a vida no Brasil pegavam algum ofício por mais simples que fosse e trabalhavam muito. Seu Albino deixou família em Portugal para fazer vida aqui. Sua pequena sapataria de portinha em frente de um ponto de ônibus e com um banco de madeira na sombra da calçada. Muitos desciam ali para conversar e ele falava muito e perguntava coisas que deixo para outros textos, ele guardava de cabeça muita coisa.

Já seu José foi um dono de bar. Amou uma mulher e, desenganado, teve filhos com outra, fez vida e viveu para a esposa que o aceitou no Brasil e nunca esqueceu a antiga amada. Quem o sabia? Alguns a quem ele tinha confiança ou que alcovitassem para escrever mudando o nome de Manuel e que não fosse por mero deboche.

Minha mãe me contava que havia um português apaixonado pela sua Maria, esta que não era portuguesa. Se encontravam em namoro antigo, de sala e olhares antes do tempo de pegar nas mãos e sob a vigilância de um pai ciumento. O namoro de compromisso ia bem e, era fatal, todo o sábado. Ela se arrumava com o melhor vestido floral e água de rosas nas axilas. Ele, lá em sua casa, dava banho no alazão, limpava a sela, dava brilho nos estribos, punha seu melhor terno riscado, seu chapéu de passeio, umas sementes de cravo no bolso, roubava uma flor vermelha e cavalgava sonhando com a amada. Num sábado chuvoso a coisa desandou em trovões, raios, quedas de pontes. Naquela tarde…

A família já havia apagado a lamparina para dormir e posto tranca na porta, mas alguém bateu. Chovia muito. O que quer, quem é? Era ele, ensopado, sob um cavalo escorrido e triste. A família logo insistiu para ele entrasse e trocasse as roupas úmidas por secas, mas não. Continuou aquecido sob a paixão juvenil, a sofrer a chuva fria no lombo e disse-lhes: vim somente a dizer, pois, que não venho.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor independente, autor do livro A ressurreição de Abayomi e outros

 

 

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