Ater-se ao que vale a pena

José Renato Nalini

 

Somos um país em que se lê pouco. As bibliotecas desaparecem. Já não existe espaço para abrigar livros físicos, se a promessa eletrônica é a de disponibilidade de milhares de exemplares, todos guardados na nuvem.

Só que, na verdade, eles permanecem virtualmente virgens. Poucos os que se dedicam a uma leitura atenta, detida, consciente e propícia à assimilação do conteúdo. A instantaneidade das comunicações, o uso abusivo de interjeições, de uma verdadeira onomatopeia eletrônica, vai debilitando o uso da escrita. Com isso, declina o exercício do pensamento. A pressa se faz acompanhar de uma preguiça para a leitura. A concatenação de ideias é privilégio de raros indivíduos, quase todos de uma outra era.

O paradoxo é que nunca se escreveu tanto. Todos escrevem. Faltam é leitores, como lamenta a inexcedível Lygia Fagundes Telles.

Os campeões de venda são os livros dos “influencers”, aqueles que prometem solucionar questões eternas e angustiantes para um ser que sabe ser finito e tenta ignorar o quão frágil e efêmera é esta peregrinação por um sofrido planeta.

No momento em que se constata um fenômeno lamentável em várias partes do mundo, o acirramento das opiniões inflexíveis, a prepotência de se considerar “dono da verdade”, a intolerância e a ausência do respeito pelo outro, não se pode perder tempo com a leitura de superficialidades.

Ao contrário, cumpre revisitar aqueles que têm a mensagem que faz bem à alma. Um autor que precisa ser relido – não é possível que uma nata intelectual tenha deixado de conhecer sua obra – é José Ortega y Gasset (1883-1955). Ele é mais citado do que lido. Quem já não escutou que “o homem é ele e suas circunstâncias?”.

Ele nos ajuda a mergulhar na realidade inegável de que somos seres arremessados sem prévio aviso na sua condição instável. Nascemos e somos prisioneiros desta experiência, sem que tenhamos oportunidade de escolher família, pátria, época de vir à luz.

Para subsistir com lucidez e serenidade, é mister assumir a condição de náufragos, imersos na infinitude de um oceano de incertezas. Para não sermos engolidos pelas ondas bravias das intempéries do convívio, só nos resta agarrarmo-nos às tábuas de salvação de uma consciência esclarecida.

A vida de Ortega Y Gasset, vítima da trágica Guerra Civil Espanhola, contribuiu para a formulação dos eixos de sua filosofia. Se ele suspeitava que “a morada íntima dos espanhóis foi tomada há tempo pelo ódio, que permanece ali artilhado, movendo guerra ao mundo”, pode-se fazer uma ilação para o que ocorre hoje.

Por que se instaurou a raiva, a ira, a violência, blindagens que impedem a coexistência, quando uma vida só vale a pena se em conexão com as outras?

Há uma regra de ouro para a civilização, reconhecida por primícias da espécie, não apenas pelos cristãos: o amor ao próximo. Preceito reiterado há tanto, mas de tão difícil consecução.

O sentimento que move as estrelas é o material escasso em grande parcela da humanidade. Aquela imersa no egoísmo, no consumismo, no narcisismo, na prepotência, na petulância e na fobia pelo semelhante.

Pode ser inócua a pregação, nesta era em que sobressai o medíocre, a falta de compaixão, a inclemência no julgamento leviano que se faz do outro. Mas a única receita para a salvação da nossa espécie é convertê-la para o exercício do amor.

Um amor que é o cimento a unir diversidades, que satisfaz mais a quem ama do que ao ser amado, que restaura a qualidade intrínseca da criatura que se considera racional e que, tantas vezes, se comporta com obtusa irracionalidade.

Responder com amor compreensivo às tão frequentes manifestações de desamor é algo que nada custa a quem tem olhos para enxergar a patologia planetária e não deixou morrer um coração sensível, pronto a colaborar com a missão de resgatar o único instrumento salvífico desta experiência terrena.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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