Os deserdados

Antonio Lara

 

Não tem desculpa. Há semanas, quase meses, o governo vê a segunda onda se avolumar no horizonte. Mais uma vez, países europeus e Estados Unidos foram exemplo do que ia acontecer aqui. Mas o chefe do Executivo foi à praia, seu governo saiu de férias e o Congresso cruzou os braços. Na virada do ano, o estado de calamidade acabou, assim como o auxilio emergencial e as condições especiais para os pagamentos das empresas. O país volta ao regime de arrocho fiscal que, mesmo em tempos normais, não costuma dar conta de cumprir. Imagine-se na pandemia.

As contas vão estourar, o teto vai ser descumprido, os investidores serão afugentados, etc. Mas a tragédia não é essa. È o contingente de milhões de brasileiros que, não terá mais ajuda do Estado para sobreviver. As parcelas do auxilio emergencial beneficiaram 67 milhões de pessoas, impedindo que ao menos 23 milhões moradores de grandes metrópoles, caíssem na pobreza. E agora?

Até agora, parece que ninguém está muito preocupado com isso. O governo corre atrás do prejuízo provocado por sua inépcia nas ações relativas à vacinação. Esse movimento, indicando que o processo pode começar ainda este mês, animou a mídia, os mercados e os políticos. De fato, não há recuperação consistente para a economia sem a vacinação em massa da população, apesar do ceticismo geral em relação à capacidade da administração bolsonaro de concluir esse processo.

Mas o Brasil não alcançara a chamada imunidade de rebanho tão cedo, ainda que sob os cálculos mais otimistas, que falam, no mínimo, em algo até o final deste ano. Até lá, quando o país poderá criar condições para retomada da atividade econômica e do emprego, o que será dos deserdados do auxilio emergencial?

Governistas com um mínimo de bom senso acreditam que, mais dia, o auxilio – ou um beneficio semelhante – terá que ser retomado. Mas o problema é que dificilmente alguma coisa acontecerá por aqui até o fim de fevereiro, depois da eleição, posse e primeiras articulações dos novos comandantes do Congresso. Sem contar a disputa interna do governo em relação aos gastos públicos e o tempo que, mesmo depois de aprovado, o dinheiro levaria para chegar às mãos dos beneficiados.

Muita coisa ruim pode acontecer até. Quem está com fome quer almoçar hoje. É difícil que os deserdados  do auxilio emergencial, jogados na indigência, vão ficar quietos por muito tempo.

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Antonio Lara, articulista; [email protected]

 

 

 

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