E Jesus chorou

Camilo Irineu Quartarollo

 

E que ano?! De quantos espirros você se livrou, quantas febrículas suspeitas, quantas medições no supermercado, quantos ais e quantos amigos evitamos e perfis que se foram antes de um adeus nessa pandemia e vamos de Natal.

A tradição cristã traz uma criança divina no cenário do presépio, para devoção intocada sem quebrar o encanto místico. O papai-noel com seu barrigão e seu ôôô faz mais sucesso, até as renas falsas do bom velhinho convencem mais uma criança que o presépio que não pode bulir – mãe, ele tá sem máscara! Logo ao nascer o tabefe na bunda e começam os ais da vida, momento de risos para os outros e de choro para nós.

Jesus chorou também ao nascer, por certo e, adulto, na comoção pela morte de Lázaro e deveras compungido chorou no Jardim das Oliveiras, às vésperas de tomar o “cálice” que não pôde ser recusado – dizem os evangelhos que chamou seus amigos mais próximos para junto dele, contudo estes não o acompanharam nessa agonia, acabou a sós. Há coisas que não se pode arredar, não se pode avançar, modificar e mesmo com súplicas não são concedidas, mas pode nos transformar para sempre ou tornar-nos no que realmente somos, como o próprio Jesus se referia ao “seu” cálice, o qual não pôde ser afastado.

O choro compulsivo, contrariado, escapa aos soluços e desagua como o mar represado, já tive este e não sei nem explicar muito bem. Dor, cada um tem a sua e cujas dores aceitam até mesmo a falsa solidariedade de tanto condoer-se. Suportou, como? Quais mecanismos o cérebro encontra? A fé é uma delas e torna as pessoas mais compassivas.

Das coisas que historicamente se sabem do primeiro século da Judéia, das incontáveis cruzes fincadas que quase não havia mais madeira. Não é de se admirar que uma das pessoas da trindade é chamada de Consolador. Era vital se ter fé, não enlouquecer, subsistir.

A vida nos coloca situações em que choramos uma situação irreconciliável de perdas. Há momentos de integrar a frustração humana da dor, a qual nos pode curar, o colo não mais existe e a trilha acabou no abismo. O que fazer?

É possível que a estação das lágrimas passe, a pessoa em crise reconheça que algo nela se modifica, que outrem não seja um mero complemento de sua existência, que há muitos mundos e moradas, que nos encontremos com dores próprias e aparentes indiferenças na dignidade de pessoas.

O choro da infância tem o colo e o afago, o do adulto tem o copo e os amigos e, entretanto, o de alguns iluminados é suficiente a luz.

Nas estações da via-crúcis não consta o nascimento, não é dor, cujo evento na tradição cristã marca a intervenção de um ser eterno na história dos humanos e vende muitos panetones. Na morte do ente querido todos choram ao cortar o último cordão do morto com o umbigo do mundo, mas ao invés do choro ao nascer ele pode estar rindo de nossa paúra da morte. Herodes que se lamente, mas de repente o Natal chegou. Aleluia!

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor independente, autor do livro A ressurreição de Abayomi dentre outros

 

 

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