A história não esquece

José Renato Nalini

 

João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), o último Presidente militar no período autoritário, pediu que o esquecessem. Mas a História não esquece pessoas que se destacaram. Pode não reverenciá-las, nem ser justa. Prevalecem as impressões, as lendas, aquilo que passa a constituir a verdade leviana, surgida não se sabe de onde.

O General Figueiredo era filho de um grande brasileiro e outro General, Euclydes Figueiredo, (1883-1963) que em 1932 lutou contra a ditadura Vargas. Um de seus irmãos foi um escritor prestigiado: Guilherme Figueiredo (1915-1997), autor de “Um Deus dormiu lá em casa”.

Por haver pronunciado a frase “Me esqueçam!”, o 30º Presidente da República Federativa do Brasil é quase sempre injustiçado. Mas a ele esta Nação deve o final – considerado feliz – do período autoritário. Tentaram interromper a transição democrática e ele refutou de maneira ríspida, como era de seu feitio. Respeitaria o resultado do Colégio Eleitoral e qualquer iniciativa em contrário, só se conseguissem passar por seu cadáver.

Enquanto Coronel, João Baptista Figueiredo chefiou a Força Pública, a Polícia Militar Paulista. Era primo de Figueiredos milionários, dentre os quais João Baptista Leopoldo Figueiredo e Alberto Figueiredo, CEOs da LFigueiredo, uma empresa de renome, campeã da logística no Porto de Santos e que competia com o Lloyd Brasileiro.

Afeiçoado à cavalaria, atribui-se-lhe também haver dito que preferia o cheiro dos cavalos se comparado com o exalado pelos seres humanos. Conhecia a humanidade e a metáfora foi muito bem posta.

Ninguém parece recordar-se que foi ele quem assinou a Lei da Anistia em 1979, graças à qual consolidou-se o regime de plena e absoluta liberdade no Brasil.

Muito direto e aparentemente rude, os créditos pela retomada de um processo democrático não lhe são atribuídos. Para amenizar essa injustiça, Bernardo Braga Pasqualette publica o livro “Me Esqueçam: Figueiredo – a biografia de uma presidência”, pela Editora Record.

Mostra que ele foi capaz de uma convivência em paz com a oposição vitoriosa em 1982. Chegou a receber, para mostrar sua isenção, o ex-Presidente Jânio Quadros e as ex-primeiras damas Sara Kubitschek e Maria Thereza Goulart.

Campinas é uma cidade indissoluvelmente vinculada a esse Presidente da República. Seu irmão Guilherme nasceu aqui e aqui seu pai, o General Euclydes de Oliveira Figueiredo faleceu.

Também aqui sempre viveu sua única irmã Dolisa, casada com Raphael Pereira da Silva, cuja filha Maria Valentina é esposa do Desembargador Antonio de Almeida Sampaio.

O Estado de São Paulo também deve ao Presidente Figueiredo ter nomeado o desembargador paulista Sydney Sanches, que nasceu em Rincão, para o Supremo Tribunal Federal, depois de haver se destacado na presidência da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros.

Foi o Ministro Sydney Sanches o brasileiro que, pela primeira vez, presidiu o complexo colegiado que teve a incumbência de transformar o impeachment, que na Faculdade de Direito era considerado quase que uma ficção ou objeto da arqueologia jurídica, em concreto afastamento do Presidente Fernando Color de Melo.

Para uma geração que parece acreditar que o mundo começou assim que ela nasceu, é sempre importante incursionar pela história. Embora recente, ela nem sempre é fidedigna. Daí a cautela ao firmar convicções. A ideia de fake News é muito antiga. Só o apelido é recente.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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