O que estaria em jogo?

José Renato Nalini

 

A realização de audiências e sessões virtuais em todo o Judiciário foi algo estupendo. Produtividade multiplicada, ganho de tempo, economia de combustível, observância da pontualidade e incrível resolução de questões judiciais que pareciam insolúveis.

As vantagens são infinitamente superiores a qualquer desconforto, pois todos os envolvidos no drama da Justiça encontraram eficiência superior à das praxes convencionais.

Nada obstante, alguns episódios ganharam dimensão excessiva, pois as redes sociais disseminam com espantosa rapidez aquilo que pode ser bizarro. Enquanto mensagens edificantes tramitam como caracóis, aquilo que pareça insólito ou exótico navega na velocidade da luz.

Foi assim que diálogos anteriores à sessão de julgamento viralizaram, assim como posturas inusuais, como lixar unhas durante a sessão, julgadores em trajes menores, outros aparentemente a cochilar. Como o sistema Justiça é um dos alvos preferidos da crítica generalizada, tudo ganhou conotação superavitária em cotejo com o êxito da conversão de um ambiente em geral anacrônico, em espaço perfeitamente adaptado às tecnologias contemporâneas.

Algumas observações devem merecer serena reflexão.

Esses fatos são numericamente insignificantes, considerado o volume de atos judiciais realizados a contento. Foram muitos milhões de julgamentos a evidenciar que a Justiça brasileira funciona em ritmo compatível com a Quarta Revolução Industrial. Que permaneça assim!

As ocorrências devem ser encaradas como falhas humanas perfeitamente compreensíveis. Não são justificadas sob argumento de que o novo padrão é ainda território ignorado pelos protagonistas da tragédia judicial. Tragédia, sim, porque acorre à Justiça humana quem não conseguiu resolver satisfatoriamente algo que o molesta e que, portanto, é nefasto. Há sofrimento, angústia e tristeza em cada processo. A Justiça dos homens é feita por seres humanos, suscetíveis de equívocos e erros.

Pode-se atribuir uma parcela dos acontecimentos noticiados à inobservância do Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo CNJ. Também explicável, pois essa normatividade não parece obrigatória. O CNJ apenas “exorta” os juízes a levá-lo em consideração.

O que ressalta como inafastável é o pouco apreço a uma compostura que parece ter caído da moda nestes tempos de grosseria. O mundo perde a polidez, os bons modos, o bom tom. Em todas as esferas e em todos os estamentos. Houve estágios na história em que a escola ofertava noções de etiqueta para os alunos. Era apenas a lapidação daquilo que já recebiam na primeira escola: o lar. Mães prestimosas ensinavam as palavras mágicas, hoje no ostracismo – por favor, com licença, perdão, obrigado e outras desse mesmo capítulo do comportamento das pessoas.

Aos poucos, quase sem perceber, a sociedade foi se tornando rude. Pessoas se encontram no espaço reduzido de um elevador e não se cumprimentam. Esbarram-se e não perdem desculpas. As levíssimas falhas embrutecem e, quando se vê, está-se a fazer referências desairosas que comprometem a imagem da Justiça e contaminam a confiança que a população nela deve depositar.

O ambiente acolhedor do próprio lar sugere a alguns que eles estão sozinhos. Extravasam expressões ou praticam aquilo que reclamaria maior privacidade. São comportamentos que um bom berço ajudaria a evitar. Nem sempre os pais são responsáveis. Todos temos livre arbítrio e fazemos nossas escolhas.

Duas conclusões podem ser delineadas. A primeira: uma conduta irrepreensivelmente ética deve começar com o respeito a regrinhas mínimas e aparentemente triviais. Pois transigir com elas, leva a uma escala ascendente em termos de vulneração das normas dessa ciência moral do comportamento dos racionais. Inicia-se na deterioração ética, nas mínimas coisas. Quando se vê, transige-se até nas mais importantes.

Segunda: muito cuidado com o advento de novas funcionalidades das tecnologias da comunicação e da informação. Os algoritmos levarão a Inteligência Artificial a uma provável leitura do pensamento. Os mobiles reproduzirão aquilo que seus portadores estão pensando. É bom treinar para um convívio mais discreto, mais prudente, mais sereno e mais equilibrado. Os protagonistas da arena judicial serão a cada instante mais vigiados, fiscalizados, cobrados e julgados pelo povo que os remunera.

A contenção, a reserva, o falar apenas o indispensável é tática excelente para aqueles que estão em permanente escrutínio público. A melhor prevenção para evitar dissabores e para coibir a cruel demolição de reputações, esporte muito praticado no Brasil de hoje.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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