Palmares não se rendeu

Camilo Irineu Quartarollo

 

Caiu com seu último guerreiro na cruel matança de 20 de novembro de 1695, sob os olhares dos orixás. Sem o registro de Os sertões, os vestígios de Palmares ainda assombram. Os historiadores buscam em sítios cerâmicas e pontas de lanças a vida Palmarina. Zumbi não se deixou vencer, passou à posteridade em defesa espiritual da cultura que não mais se submeteria.

Em todos os estados da Colônia, os quilombos reaparecem mesmo perseguidos, vide o livro Liberdade por um fio – História dos quilombos no Brasil, organizado pelos historiadores João José Reis e Flávio dos Santos Gomes.

Palmares permanece por quase cem anos na Serra da Barriga, na então capitania de Pernambuco, atual Alagoas, cuja população era o dobro da de Recife, a chamada Angola Janga ou pequena Angola. Neste lugar estratégico formaram seus lares e constituíram famílias, amizades, agricultura e siderurgia. Constituíam um foco de resistência e de apoio aos fugidos do cativeiro para a cidadania palmarina. Após sucessivas expedições malogradas, Domingos Jorge Velho se preparou por anos para atacar a infraestrutura de Palmares estabelecida por fortalezas, economia de subsistência e comércio de alimentos como arroz, feijão, mandioca, batatas, paralelamente ao latifúndio que somente produzia açúcar de cana para exportação ultramarina. Palmares constituiu-se uma nação dentro da Colônia incipiente e de corsários.

A tentativa antes da invasão foi o armistício com Kanga Zumba, em 1678, liberdade a todos os habitantes do quilombo, desde que não recebessem mais os fugidos das fazendas de açúcar e que trocassem a Serra da Barriga, defensável, por uma terra na planície chamada Cacaú. Logo depois do envenenamento de Ganga Zumba essa gente foi reescravizada. Zumbi fincou pés com Palmares, lutando estrategicamente.

Numa sociedade de provinciana era insubordinação a capoeira, atrevimento o olhar nos olhos, o não abaixar a cabeça e discriminados a dança, o gingado, o rebolado; assim também a religião afro, de aculturação, era relegada à mera superstição, mas não em Palmares. Lá, a liberdade expressada nas gingas e a afirmações mais bela das danças e crenças Afro, como um orixá se manifestando, com hurras de guerra ou de axé. Mesmo sob o preconceito a cultura de Zumbi sobrevive no encontro festivo de seus filhos e abomina o festim dos poderosos. Zumbi vive.

Palmares é aqui e marca indelevelmente nossa cultura quer tenhamos pele negra, branca ou de outro fenótipo. Palmares é aqui e marca indelevelmente nossa cultura quer tenhamos pele negra, branca ou de outro fenótipo. No seio pátrio, da mãe negra crescemos com a cultura afro e não nos demos conta, também sunsê e eu somos filhos de Zumbi, naturais ou por adoção, brasileiros, não fugitivos.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor independente, autor de A ressurreição de Abayomi – romance afro – dentre outros

 

 

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