Plinio Montagner
Repararam como nossa vida é cheia de metades? Cara metade, meia entrada, meia colher, meia xícara, meia lata, meio quilo, meia dose…
É claro que comer e beber demais faz mal, e pagar menos todo mundo gosta. Mas isso é outro assunto.
Danuza Leão, escritora, jornalista e modelo brasileira, escreveu um artigo primoroso sobre esse tema. O título era “O sorvete”. Começa assim:
– “Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar, e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido. Uma só para mim, que estava com vontade de comer um quilo”.
É verdade, da entrada à sobremesa, quanto mais luxuosos são os restaurantes menores são as porções que o desejo do cliente.
Mas de forra, em casa o vazio é saciado: um litro do sorvete preferido. E que se danem as calorias, a saúde, a elegância e a moderação. A história dos sorvetes do texto da Danuza acontece com frequência em nossa vida.
A cantora, comediante e atriz Dercy Gonçalves era feliz. Faleceu aos 101 anos e comia feijoada no almoço e não recusava sobremesas.
Certa vez revelava que passou a curtir mais a vida depois que começou a ignorar os números das datas de aniversários e dos aparelhos de pesos e medidas.
Dizia que depois do esplendor da juventude deveria ser proibido aniversariar. O que vale é a idade do cérebro e a possibilidade dos amores da primavera da vida. Pressa para quê? Almir Sater canta: “Ando devagar porque já tive pressa…”.
Nossos desejos são os mesmos, apesar de tudo que nasce cresce, envelhece, muda e desaparece.
Sendo assim, não há motivos para a natureza submeter os humanos ao castigo de tanto servilismo. É a consequência da obediência na sociedade civilizada imposto pelas tabelas, fórmulas, códigos e conselhos do contínuo pode/não pode.
Enquanto isso os animais, que não estão nem aí com as leis e problemas dos humanos, não morrem antes da hora por causa disso.
Talvez seja porque às vezes temos vontade de queimar mandamentos, ignorar esoterismos, modismos, livros de como fazer amigos, ganhar dinheiro e ser feliz. Arre!
Ser civilizado diminui a individualidade e aprisiona. Quanto mais a obediência se instala na vida humana, mais preso fica o homem e domesticado se transforma.
Meias porções, uma bola minúscula de sorvete, férias não gozadas, negociadas, trocadas, vendidas. Por que não gozá-las por inteiro? Pratos divididos, abraços fingidos, frouxos, receosos, virtuais.
A vida deve ser vivida com tempero, ou então acreditar logo de uma vez que a humanidade está aqui por algum tipo de castidade obrigatória.
Assim Danuza termina seu texto:
“Estamos aqui de passagem. Podemos e devemos desejar várias bolas de sorvete, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo.
Um dia!
A vida é curta”.
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Plínio Montagner, professor aposentado