Ai, amor! Ai, amores! Amar, assim, como eu posso? Porque o amor – desses que amo – faz a carne desprender-se dos ossos. Porque o amor, desses de virtude e verdade, se sente em qualquer idade e sem remorsos. Porque o amor, desses concernentes, dilata-se imenso nos ventres das mães de universos eternos e desdobra-se em entes fraternos a espalhar sementes de paz e poesia por sobre campos e cantos em carestia.
Mas como falar do amor sem expor a carne em dores a desossar-nos também os ócios – a revelar-nos explícito os vícios, a descrever-nos falhos de tão humanos. Porque falar de amor é querer experimentar o próprio espírito – o divino – a transmutar-se em corpo, em pão e em vinho a ser servido em prato e taça (sim, o amor é sempre de graça). Ai, amores! Que amar é saborear a água-vida acolhida em simples odres – porém, sagrados – deitados à mesa dos mais humildes, dos mais pobres e humilhados.
Ai, amores! Ai, amor! Amor que Ana Paula Tavares – poeta angolana nascida em Lubango – sabe bem que é isso tudo e muito mais. Pois, talvez, tenha a poeta aprendido, na província africana em que nasceu, que o amor pode crescer fortalecido da dor que feneceu. Mais do que isso, sabe a poeta que o amor e a dor se confundem. Afinal, por conta da dor, também muito amor infinito morreu. Talvez, talvez, por isso, nos ensina a mestra, no poema de dor-amor profundo que escreveu (ai, amor! Ai, amores e ais!) que amar é buscar o sul quando o norte não há mais. E diz ela:
“Desossaste-me/cuidadosamente/inscrevendo-me/no teu universo/como uma ferida/uma prótese perfeita/maldita necessária/conduziste todas as minhas veias/para que desaguassem/nas tuas/sem remédio/meio pulmão respira em ti/o outro, que me lembre/mal existe/Hoje levantei-me cedo/pintei de tacula e água fria/o corpo aceso/não bato a manteiga/não ponho o cinto/VOU/para o sul saltar o cercado.”
Poeta do amor encarnado. Poeta-revelação da dor-amor em submissão e sacrificado. Porém, poeta de novo canto de esperança, de nova dança no tempo futuro. Poeta da mulher e do feminino que, como um hino, exalta em jubilosa verbal explosão: Ana Paula Tavares – conhecer seus escritos é ouvir de perto seus gritos em cantos de libertação. É reconhecer o amor – ai, amor! Ai, amores! – com que esculpes em água-forte, a se preencher em cores, a carne de saber bem quem que é. Do ser que sofre na pele e nela exibe o sagrado do coração marcado pela força da opressão e do patriarcado. Seus, num corpo-poema, os versos-rituais sacralizados:
Neste altar sagrado/o que disponho/não é vinho nem pão/nem flores raras do deserto/neste altar o que está exposto/é meu corpo de rapariga tatuado/neste altar de paus e de pedras/ que aqui vês/vale como oferenda/meu corpo de tacula/meu melhor penteado.
Amor. Quem sabe dizer de ti senão as poetas? Quem sabe vivê-lo senão as crianças e os animais, ingenuamente? Ana Paula Tavares! Sua letra é corpo-fechado, seus poemas um viver sacralizado feito lenda, feito prenda, feito ais.
Amores! Para que mais?