São Paulo é administrável?

José Renato Nalini

 

Estamos a alguns dias de eleger Prefeito e Vereadores da maior cidade do Brasil. Alguém ainda se ilude com a possibilidade de um Prefeito administrar esta conurbação insensata, que ultrapassa vinte milhões de almas?

Quando a Prefeita era Marta Suplicy, ela formou um grande Conselho de pessoas com as quais se reunia, então no Palácio das Indústrias, para reuniões de trabalho. Comentou, numa delas, que ela só conseguia dispor de 13% do orçamento. 87% da peça orçamentária, que é lei, já estavam comprometidos.

Penso que a situação hoje piorou. Por várias razões. A máquina administrativa cresceu. Os problemas da megalópole também. A arrecadação caiu. E problemas não faltam.

Qual a percentagem de imóveis não regularizados? Seja qual for – e é enorme – é um contingente de potenciais contribuintes que deixa de recolher IPTU. Os moradores de rua ultrapassam os vinte e cinco mil. As inundações continuam e a resposta é fazer piscinões. Impensável devolver aos rios o que deles se tomou. E devolver à cidade as centenas de cursos d’água que foram sepultados para beneficiar o automóvel.

Favelas, cortiços, moradias precárias, palafitas, edifícios invadidos. Tudo faz parte dessa espécie de anomalia urbanística a crescer como pandemia. A peste da Covid19 escancarou milhões de invisíveis. Excluídos, despossuídos, sem teto, sem emprego, sem saneamento básico, sem esgotamento doméstico, sem água corrente, sem escola, sem saúde, sem transporte.

Ao mesmo tempo, São Paulo tem as melhores Universidades da América Latina. Tem os melhores museus, teatros, parques públicos, orquestras, casas de cultura e de espetáculo. Sedia as mais poderosas empresas, algumas multinacionais. Concentra um número considerável de cérebros privilegiados. Tudo convivendo no mesmo espaço físico, um paradoxo vivo e um laboratório de análises antropológicas de instigante exuberância.

Um Prefeito deveria atuar com franqueza. Dizer da impossibilidade de atuar em todas as frentes e pedir a colaboração da cidadania. Desburocratizar. Levar a regularização fundiária a sério. Delegar missões e tarefas. Chamar a Universidade e as outras unidades escolares a um trabalho em mutirão para fazer aquilo que os censos não conseguem fazer. Mapear as carências, as necessidades e cadastrar as pessoas. É vergonhoso que tenhamos controle de peças de veículos, de vinhos, de livros, mas não consigamos fazer uma apuração precisa sobre os seres humanos.

Administrar uma cidade como São Paulo não é missão da qual uma pessoa possa se desincumbir. Ela precisaria ser feita por todas as lideranças e por aquilo que um dia se costumava chamar de “forças vivas”.

Com a falência da Democracia Representativa, fenômeno universal, já que ninguém se sente representado por políticos profissionais que pouco se interessam pelo bem comum, a cidade volta a ser o centro e o eixo da vida de uma sociedade. Já que o constituinte erigiu o município em entidade federativa, essa opção terá de ser observada em toda a sua abrangência. Não é mais possível que a cidade de São Paulo, o terceiro orçamento da República, seja desconsiderada pela União. Esta precisa ser desidratada. O Brasil são muitos brasis e é uma ficção nefasta e de mau gosto atribuir a Brasília uma importância que ela não deve ter. Federalismo significa aliança entre iguais. Não pode haver predomínio, nem erigir em sorvedouro da maior parte da tributação, uma entidade que apenas deveria oferecer diretrizes gerais e cuidar de orientação e controle mediante agências.

Tudo acontece na cidade, ali é que os recursos são necessários. Acabar com a máquina federal. Fortalecer o município. Permitir que ele cumpra com as suas finalidades, o ordenamento da vida municipal e a oferta dos serviços essenciais ao desenvolvimento de uma vida cidadã com dignidade.

São Paulo deve levantar sua voz, aceitar a sua vocação, reprogramar o seu destino e exigir tratamento consentâneo com a sua importância. Relacionar-se com a comunidade internacional com a autoridade que lhe conferem os talentos e engenhosas intelectualidades que aqui residem. Só assim o paulistano terá ao menos perspectivas de que os seus problemas serão tratados com seriedade.

Repactuemos esta Federação. Chega de unidade e de submissão a projetos que pouco falam para a nossa realidade. São Paulo tem vida própria. Pulsante e dinâmica, lúcida e pioneira, destemida e coerente.

Autonomia para a capital paulista. Mais São Paulo, menos Brasília. Onde foi parar a coragem de quem proclamou “Non ducor, duco”? Reaja São Paulo! Seu povo sofrido precisa recobrar aquela que, dizem os doutos, é a última que morre: a já combalida esperança.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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