Nilson da Silva Júnior
Estavam lá, no meio de uma praça, de um lado os Fariseus – que eram as “pessoas de bem” da época, religiosos, seguidores das normas e métodos, piedosos e reconhecidos por sua integridade e retidão, e os Escribas – homens responsáveis pela interpretação da lei, voltados à letra, à legalidade, à jurisdição da religião. Também o povo, as pessoas simples, os trabalhadores e trabalhadoras, oprimidos, subjugados, esquecidos, a espera de favores, ajuda, tentando escolher o melhor lado, a melhor situação, o que fosse mais conveniente, seguindo o protocolo e a orientação de quem mandava, de quem tinha, de quem “era mais”. De outro, uma mulher, exposta, envergonhada, demonizada pelo simples fato de ser mulher e ainda mais ultrajada pela situação, pela humilhação, a quem se lançava toda culpa de um pecado cometido a dois, todo o peso do vexame, da tragédia, da condenação e todo o terror da morte, da reprovação fatal requerida pela lei. Ao meio, estava Jesus, como que desatento, abaixado, escrevendo, testado e confrontado pela religião, pela letra fria e pela “justiça”, “reta”, “imparcial” da “lei de Deus”. A religião queria uma explicação, uma solução de quem se dizia o Messias, o enviado de Deus, daquele que sempre tinha solução para os problemas e vivia tirando o povo das enrascadas da vida, das dores do dia a dia, das enfermidades, da fome e até da morte. A “religião” estava com as pedras na mão, querendo “justiça” e morte, mas Jesus, diferentemente, olha para a mulher, para a pessoa que estava ali, quem sabe reconhecendo carências, frustrações, mágoas, considerando seus sentimentos, sua emoção e vendo alguém que não precisava de acusação, mas de ajuda, apoio, perdão e abraço. Por isso confrontou os acusadores recolocando a fé em seu devido lugar, relembrando que a Graça de Deus não pode ser explicada através de Lei, de letra, mas de misericórdia, compaixão e amor.
Tanto tempo se passou e a religião continua optando pelas pedras! Nos diversos processos da vida, onde se envolve inclusão, exclusão, acolhida ou discriminação, a religião volta à letra para tomar novamente as pedras. Há um gosto, um prazer inexplicável pelo apedrejamento! Que satisfação em ter as pedras na mão, em ameaçar de morte em nome de Deus! É triste constatar que para o cristianismo contemporâneo, fundamentalista, amor, tolerância, perdão, compaixão e misericórdia estão fora de ordem. Mesmo depois de tanto tempo, tantas dores e lamentos, depois da Idade das Trevas, a condenação sobressai à salvação! Se você precisar de apoio, ajuda, amparo, conte com Deus somente, porque muito possivelmente, os religiosos de plantão virão te procurar ansiosos pelo apedrejamento. Pouca gente se preocupará com a sua pessoa, seus sentimentos. Para cumprir o ritual você terá que estar enquadrado na norma da Igreja, mais que do céu. Se houver uma vírgula para te condenar, certamente, ela representará bem mais que muitos parágrafos que possam te salvar. As palavras serão retorcidas, adequadas, amoldadas, sempre para apedrejar, mais que para dizer “eu tampouco te condeno”, como fez Jesus. O Cristo que se pôs entre a Religião e a pecadora ainda presta atenção em nós. Para Ele mais bem-aventurado é aquele que perdoa, quem se dedica de todas as maneiras em livrar pessoas das pedras. Quem olha para os ditos “rejeitados sociais”, os desprezados, os que são alvo de preconceito, os não convencionais, os contraditórios, pobres e carentes, com amor, dignificando-lhes mais que marginalizando, tem seu nome escrito no livro daqueles e daquelas que comungam com o Cristo que afirmou ter sido enviado ao mundo não para condená-lo, mas para salvá-lo (João 3:17).
O que será do “novo mundo” se ele for pautado pelos religiosos de plantão do nosso tempo? Mais justo, sensível, tolerante e amoroso? Infelizmente, acredito que não! Será um caminho cheio de pedras e ameaças! A religiosidade que aí está, adepta da guerra, da bala, da chacota, do preconceito e da intolerância, terá o triste destino de acender toda forma de discriminação e maldade, pintando um céu cruel que transforma a Palavra de Deus em instrumento de perseguição e ódio. Que Deus tenha misericórdia de nós e ajude o mundo a se tornar melhor do que é, para que nossos filhos e netos herdem um tempo mais brando, calmo, livre de pedras, acolhedor e amoroso!
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Rev. Nilson da Silva Júnior¸ pastor e professor; [email protected]