Em tempo de Covid

Camilo Irineu Quartarollo

 

O conto de fadas é um descanso mental ao cotidiano de levantar, ganhar a vida, vencer o vírus, se mascarar e viver nem que seja num castelo imaginário da COHAB.

A mesma história, tanto que as crianças pedem “conta aquela”, pois já a ouviram. Essas histórias rodeavam os berços, camas, cozinhas, a varrição da casa e calçadas vizinhas, vivem nos leitos da família e nos colos das vovós. Era uma vez.

O vovô está gagá, repetindo muito, já me contou essa história de príncipe trocentas vezes. Meu avô contava história e era com seu sotaque do “érrra uma veiz”, até hoje ouço de memória, “enton, andava, andava… e andava”. Não sei de onde ele tirava aquilo, histórias e castelos que não existiam no Brasil, mas dependurava o chapéu antes de sentar e começar solenemente, observando-nos a reação. Tirava os óculos também e seus olhos se modificavam, as sobrancelhas se levantavam ou abaixavam na entonação de voz gutural, uma voz que saía das cavernas do tempo, das montanhas da Itália. Antigas tradições e algumas que busco na NET e não acho mais.

Era uma vez e foram felizes para sempre. Esta fórmula de contar história nos remete a um tempo imaginário nalgum lugar harmonioso e de onde tudo pode recomeçar bem e quem quiser que conte outra, mas… O que aconteceu nesse tempo? Aconteceu aquilo que pode ser moldado na mente sem grandes traumas, mas que podem conter nesse ínterim crueldades como o lobo que come uma velhinha e usemos um presente histórico come, não comeu, pois é história para repetir e as pequenas lições são inseridas. Qual o final da história? As fórmulas “foram felizes para sempre” ou “entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte outra”. Dizem os estudiosos que a criança vai entender que na próxima vez em que o vovô contar a história ele possa mudar para melhor alguma coisa e se não mudar o neto vai dar um jeito de resolver em sua cabecinha. Talvez um dia essas crianças mudaram ou mudem a história quando se defrontarem com seus próprios lobos.

Vi um filme em que mãe e filha eram perseguidas e a mãe ensinou à filha a “brincar” de mudo, a se esconder para ganhar um presente, se não se escondesse não ganhava. No filme premiado A vida é bela o pai consegue esconder o filho num campo de concentração nazista e fingir que estão numa competição, numa brincadeira, este pai é executado pelos nazi, mas a mãe e filho sobrevivem.

As pessoas que amamos não morrem, vivem para sempre no era uma vez, buscando significação ou ressignificações, alimentando a alma. Sempre tem o lobo no meio, Então o recomeçar. Nono, conta uma história onde estamos todos juntos diante das incertezas da vida e para sermos felizes para sempre?!

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor independente, autor de A ressurreição de Abayomi, dentre outros

 

 

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