José Renato Nalini
Luiz Gama é personalidade cujo testemunho é perene inspiração para os jovens que se consideram desprovidos de oportunidades de atingir o estágio da vida boa. Filho de uma escrava, Luiza Mahin e de um rico português, quando tinha dez anos foi vendido pelo próprio pai.
Já seria motivo suficiente para sentir-se injustiçado, ressentido, de mal permanente e definitivo com o mundo. Encontrou dono compassivo e se tornou um intelectual sem passar pela Academia. Sua vida foi demonstrar a contradição entre direito e escravidão.
Por não haver passado pela São Francisco, dizia não possuir “pergaminhos, porque a inteligência repele diplomas como Deus repele a escravidão”. Algo que, dito no século XIX, encontra eco no século XXI, tal o desvario em que se encontra imensa parcela da escola formal. Continua a acreditar que o educando é alguém desprovido de qualquer conhecimento e que incumbe ao mestre, senhor absoluto da sapiência, transmitir o acervo de que é o detentor exclusivo.
Sem passar pelo bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais, Luiz Gama tornou-se um intelectual que enxergava o direito como ferramenta de redenção do semelhante. Conseguiu libertar milhares de cativos. E mergulhou no jornalismo, tornando-se um excelente divulgador de sua tese.
Parte dos artigos que publicou na imprensa paulistana está no livro “Lições de Resistência”, de Ligia Fonseca Ferreira, publicado pela editora SESC. Ela teve a inspiração ao passar pela estátua de Luiz Gama no Largo do Arouche, espaço onde a Academia Paulista de Letras tem sua sede desde a década de cinquenta. E achou que ele tinha muito o que falar, além de ser eternizado pela admiração despertada em seus coetâneos.
Por sinal que o enterro de Luiz Gama foi uma das mais expressivas manifestações populares de apreço a alguém que faria muita falta e de cuja lucidez continua carente a nacionalidade, absorta em frivolidades, fake News, demolição de reputações, simultaneamente à deliberada destruição da natureza e da negligência com que trata a educação.
É importante ler os artigos de Luiz Gama. Sua visão sobre a época e os descalabros mostra que há componentes atávicos em algumas sociedades. Nada que não possa vir a ser corrigido se houver consciência e vontade.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo