Adquiri há algum tempo, na Livraria Francesa, de São Paulo, um livro que comecei a ler após o jantar. Tão apaixonante era a leitura que só consegui dormir depois de concluí-la.Trata-se de “Le communismeest-ilsolubledansl’alcool?”(Paris: Ed. duSeuil, 1978), dos irmãos Antoine e Philippe Meyer, o primeiro diretor comercial de uma editora, o segundo “sociólogo generalista amador”.
Pelo título do livro e pela profissão do segundo autor, já terão notado os leitores que a obra tem cunho humorístico. De fato, consiste ela numa coleção de “anedotas, blagues, brincadeiras e outras manifestações de humor político” provenientes dos mais diversos pontos da ex-União Soviética e recolhidas por rádio ou por meio de dissidentes do regime comunista.
É bem sabido que as ditaduras são, habitualmente, um caldo de cultura propício para o humor político. A ditadura comunista, pela sua radicalidade e pela sua longa duração, propiciou matéria abundante para várias gerações de humoristas anônimos. A excepcional criatividade dos povos eslavos também contribuiu para que esse gênero se expandisse com vigor especial.
Seguem algumas amostras, traduzidas com liberdade (e até, por vezes, um pouco adaptadas) do livro acima. Sendo produções anônimas, de domínio público, que correm mundo em versões muito variadas, nada obsta, aliás, a que também o leitor, ao passá-las adiante, as readapte com liberdade. O fundo, infelizmente, será sempre verdadeiro…
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♦ Como morreu Mayakovski?-Mayakovski se suicidou. O infeliz não foi capaz de compreender as indispensáveis transformações de 1927.- E quais foram suas últimas palavras antes de se matar?- Foram: “por favor, camaradas, não atirem”.
♦ Na Sibéria, três prisioneiros, provenientes da mesma região do império soviético se encontram. Um deles diz:- Estou aqui há 20 anos porque escrevi um artigo criticando o camarada Wladimir Alexandrov.O segundo diz:- Estou aqui há 18 anos porque fiz um discurso elogiando o camarada Wladimir Alexandrov.O terceiro se apresenta:- Estou aqui há 19 anos porque sou Wladimir Alexandrov.
♦ Um jornal de Zagreb lançou um concurso de redações livres sobre o Generalíssimo Tito. Primeiro prêmio: 20 anos de prisão com trabalhos forçados.
♦ Desde que apareceu o movimento dissidente na Rússia, a polícia precisou modificarseus métodos de atuação. Os policiais passaram a andar sempre em grupos de três: um que sabe ler, outro que sabe escrever, e o terceiro encarregado de vigiar os dois perigosos intelectuais.
♦ Depois de sufocada a revolução húngara, de 1956, a municipalidade de Budapeste recebeu uma mensagem da municipalidade moscovita, sugerindo que, em homenagem ao seu grande libertador, NikitaKrushev, a Catedral de Santo Estêvão passasse a se chamar Catedral de São Nikita.Os húngaros responderam: -“Perfeitamente. Mandem logo as relíquias”.
♦ Que conselho se deve dar a um intelectual soviético? – Em primeiro lugar, não pense. Se não consegue ficar sem pensar, não fale. Se não consegue ficar sem falar, não escreva. Se não consegue ficar sem escrever, não assine. Se não consegue ficar sem assinar, então não se queixe.
♦ Qual a diferença entre o cinema mudo e a democracia socialista? – No cinema mudo só se vê o filme, mas não se ouve nada. Na democracia socialista, só se ouve falar em democracia, mas não se vê nada.
♦ Numa das repúblicas da União Soviética, é dia de eleições. O governo as organiza como de costume, de acordo com o cerimonial de praxe. Os eleitores se apresentam, recebem os envelopes fechados com o nome do candidato único, e vão um a um, disciplinadamente, depositar os envelopes na urna eleitoral.A certa altura aparece um eleitor especialmente alcoolizado e, sem atinar com o que fazia, tenta abrir o envelope.O secretário local do Partido Comunista horrorizado se precipita: – Não sabe, camarada, que o voto secreto é um dos pilares da nossa democracia?!
♦ O que aconteceria se a União Soviética estendesse o socialismo autogestionário até o deserto do Saara? – O Saara logo começaria a importar areia.
♦ Certo dia, em Moscou se espalha a notícia de que a cidade seria abastecida de carne. Imediatamente se formam filas enormes diante dos açougues, e multidões de pessoas passam toda a noite à espera de que, no dia seguinte, se abram os estabelecimentos.De manhãzinha, apresenta-se um funcionário do governo, e adverte: – Os que forem judeus, podem ir embora, porque a carne não será vendida para os judeus.
A terça parte dos presentes sai das filas e volta para suas casas.Três horas depois, o estabelecimento ainda está fechado. Apresenta-se novamente o funcionário do governo e anuncia: – Só há carne para os membros do Partido Comunista. Quem não tiver suas carteiras do Partido pode ir embora.
Nove décimos dos presentes se retiram. Ficam só os membros do PC, ainda muito numerosos.Três horas depois, continuando fechado o açougue, o funcionário reaparece, e diz: – Camaradas, agora que estamos só nós do Partido, devo dizer-lhes com franqueza que não temos carne.
Ouve-se, então, no fim da fila, uma voz que protesta: – Esses judeus são sempre favorecidos!
♦ Durante o governo Stalin, foi decidido que seria comemorado solenemente o centenário do escritor Puchkine. O Presidium Supremo decide abrir um grande concurso para erigir uma estátua a esse herói da pré-União Soviética. De todos os pontos da URSS chegam projetos variados: Puchkine lendo; Puchkine escrevendo; Puchkine arengando as multidões; Puchkine sendo homenageado pelo povo russo etc. etc.Venceu o melhor projeto: Stalin lendo Puchkine.
♦ Um estrangeiro que visitava a Iugoslávia deixou escapar, por distração, durante a conversa, um “graças a Deus”. Foi imediatamente corrigido pelo funcionário público comunista: – Não se deve dizer “graças a Deus”. Deve-se dizer “graças ao camarada Tito”.- E como se dirá quando o camarada Tito morrer?- Aí sim, se poderá dizer “graças a Deus”.
♦ Um grupo de turistas visita em Moscou a Casa dos Inventores Soviéticos. Lá, mostram-lhes as fotografias dos inventores do automóvel, do avião, do refrigerador, da luz elétrica, dos navios a vapor, dos óculos, do cinema, da televisão, da bomba atômica – todos soviéticos.Em posição de destaque, figura o retrato de Breznev, o inventor da Casa dos Inventores Soviéticos…
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ArmandoAlexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.