Camilo Irineu Quartarollo
Contavam-se nas antigas paragens e pelos quatro cantos do Brasil e Piracicabas, desde os sertões embrenhados de mata fechada e ramos de flores e frutos pendentes, os quais o fogo ainda não queimara e nem asfixiara a exuberante vida brasileira, que havia lá o burro mágico.
Como seus irmãos equinos comia da grama verde fresca, levava o matulão no lombo pela mata e descansava nas clareiras e, em meio das bolotas verdes e cheirosas, vinham moedas de ouro!
Todos queriam ver o burro – se fosse comigo, coiceava. Diziam: o burro é nosso. Esse animal sem prole nunca trepara em árvores e não era boi bombeiro.
O dono dele fazia pouco caso e uso das moedas, em geral distribuía seu excedente. Somente comprou uma sela nova, duas botinas, meio quilo de toucinho, um saco de feijão e cinco quilos de arroz, que começou a inflacionar. Subiam os preços.
Ora, a inflação voltou!
Alguém está inundando o mercado com moedas. Não custou para os agentes do governo descobrirem esse burro no interior do Brasil que enricava e dava comida e sapatos a gente pobre. No governo que já previa a inexistência da pandemia, acharam que a fortuna do povo fazia o dólar subir. Alguns começaram a guardar as bolotas verdes que saíam com as moedas dizendo que curavam da covid, faziam chás, passavam pelo corpo, mas argumentavam que o mal do Brasil era esse burro, essa bunda ainda vai pôr o país a perder. Uma imoralidade esse jeito de ganhar dinheiro! Por enquanto ia ficando…
Alguns técnicos sugeriram de matar o burro, ele inflacionava o mercado derramando moedas com seu cocô, pondo em risco a economia real, a Bolsa!
A área política, contudo, logo percebeu que burro dá voto, cague ou não dinheiro. O burro foi chamado a palácio, virara celebridade, sua foto estava nas redes sociais, seu traseiro exposto à sanha de todos, os partidos vieram atrás do caipira para fazê-lo candidato e aumentar os votos de legenda. O zé do burro começou a enricar com a bunda do burro e os patrocínios, o burro convertia todas as intenções de voto, cagava dinheiro e ainda vendia os produtos patrocinados, né.
O assédio ao burro foi tanto que a mulher do caipira costurou um lençol amarelo para proteger-lhe o traseiro borrado de verde. O único burro do mundo de cueca era brasileiro, propagandeava.
Ao badalar de sinos da praça apinhocada de gente iam descerrar o lençol e celebrar a abundância, o burro refugava e de bunda à vela soltou três peidos sonoros. E nenhuma moeda! Só peidorradas. Decepção? Nada. No dia seguinte uma nota veio a público: bons auspícios, o burro deu sinais de moedas em curso.
É só esperar as eleições e o burro desaparece. Afinal, é mágico o burro e esquecidiço o povo.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor independente, autor de A ressurreição de Abayomi dentre outros