Carta-Testamento a Vinícius de Moraes

Vinícius

Quem já passou por essa vida e não viveu pode ter mais, mas sabe menos do que eu. Aprendi isso com você, em versos seus amarelados de amor e lirismo. Poetinha! Como tinhas na poesia a precisão indelével de um sorriso. Como tinhas a sabedoria que escancara a noite e anuncia o dia. Meu testamento, Poetinha-camarada, irmana-se agora e humildemente ao seu – em pensamento e em desejo de morada na casa do teu ser, na casa do teu saber de amor enraizado. Porque a vida, como aprendi com você, só se dá para quem viveu, para quem amou, para quem chorou, para quem sofreu.

E como choramos, sofremos e amamos a poesia da vida que se nos anuncia breve – linda e leve! Como nos embriagamos da sua irmandade, Poeta, mesmo num mundo onde sobram vergonha, opressão e maldade. Choramos abrindo os braços e cantando a sua Canção do Amor Demais, canção da última esperança – dessa louca chamada Esperança, como também escreveu Quintana – que nos impulsiona a crer que podemos ainda (e apesar de tudo) viver em paz. De braços abertos como o Cristo Redentor poetamos e poetemos olhando sobre a escrita dos dias – tão confusa, tão incompreensível.

Falando em saudade, Poeta-camarada, por onde anda você? Por onde andam seus versos que agora a gente não lê? Por onde andam as canções que a todos deixavam loucos de tanto prazer? Ando pelas ruas cansado, perdido, sem boêmia e razão de ser, na rotina dos dias que – nas mais bestas agonias – nos afastaram de você. Ah, você, Poetinha! Se todos fossem iguais a você! Em nosso mundo, Poeta, jamais haveria ameaças armadas à vida, e em nossa vida jamais haveria o terror das espadas da dor, e a nossa dor seria apenas a da paixão não correspondida e a da saudade sentida por um amigo que se foi. Mas, não. Poeta. Seu tempo é outro. Seu caminho foi de outra sorte. Hoje, sem a tua canção nos ouvidos, seguimos apenas um rumo sem norte.

Poeta, suas coisas mais lindas, cheias de graça, que vão e que passam nos doces balanços agora morrem no ar antes do mar. Entre gritos e desditos, entre acusações, falsas informações, xingamentos e opressões veladas ou explícitas, até mesmo seu operário em construção agora não sabe quem é. Não sabe mais, como você ensinou, que seus pés cansados são as rodas do patrão, que seu macacão de zuarte é o terno do patrão, que de suas mãos-pássaro-sem-asas elevam-se casas, prédios, apartamentos e igrejas – sim, igrejas! Poetinha-camarada, acho que hoje, neste momento em testamento, todos nós não mais sabemos o que são elas. Na verdade, Poeta, nós não sabemos mais nada.

Por isso, pouco nos resta sem ti – Poeta do perdão. E o meu coração, de poeta-viramundo, entrega-se ao seu, então, no mais profundo silêncio da solidão. Entrega-se em pausa-surdina-fria, em derradeira canção – esperando, porém, haver outro dia de espiritual libertação.

 

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