Alessandra Cerri
Se observarmos a natureza atentamente, veremos que ela é perfeita em todos os detalhes; nós que muitas vezes não nos damos conta disso ou não compreendemos os ensinamentos que ela nos passa.
Veja por exemplo, nossa anatomia: somos feitos com uma boca, dois olhos e dois ouvidos, com certeza porque deveríamos usar mais nossa habilidade de observar e escutar do que a de falar. No entanto, ignoramos (aqui me incluo também) essa perfeição da natureza e falamos muito mais do que observamos e escutamos. Raras são as pessoas que exercem a verdadeira escuta, a escuta presente.
De acordo com Matthieu Ricard, essa verdadeira escuta é uma doação que fazemos ao outro à medida que envolve paciência e um sincero interesse do ouvinte pelo seu interlocutor. O ouvir muitas vezes se torna difícil porque, enquanto seres humanos, achamos que devemos julgar e opinar à cerca de todas as coisas e muitas vezes uma simples conversa pode se transformar numa disputa para ver quem domina a verdade (verdade essa que na grande maioria das vezes depende do ponto de vista de cada um).
O psiquiatra Christophe André menciona em seu livro que para ser um bom ouvinte precisamos desfazer de parte de nós mesmos a partir do momento que temos que desfazer ou perder os nossos medos: medo de não saber o que dizer, medo de não ter respostas, medo das nossas crenças e certezas serem vencidas.
Ainda dentro desse contexto, ele comenta que a boa escuta depende, antes de qualquer coisa, de humildade. Além disso, ele cita que o bom ouvinte precisa ter algumas características fundamentais: o respeito pela palavra alheia; o deixar vir e a capacidade de se deixar tocar.
Respeitar a palavra alheia envolve o não julgar; envolve não aceitar as ideias pré-estabelecidas ou rótulos que temos quando estamos ouvindo relatos e, que nos faz inclusive antecipar e interromper as falas de quem deveríamos ouvir.
O deixar vir implica em simplesmente ouvir deixando o fluxo livre dos relatos, implica em abrir mão de querer controlar ou dominar a conversa. Implica também em não querer se colocar em lugar de destaque ou chamar a atenção para si.
Quando deixamos a escuta livre naturalmente nos deixamos ser tocados por ela e, consequentemente, aumentamos nossa empatia e compaixão habilidades importantes para equilibrar nosso ego e ajudar em nossa evolução. Por essa razão pessoas muito ansiosas (que ficam ruminando seus medos e inseguranças) e pessoas narcisistas tem dificuldade em escutar.
A prática da boa escuta exige treino e vigilância constante, depende de calar e não se deixar influenciar pela nossa radio interna que funciona ativamente, uma vez que a natureza de nossa mente é ser inquieta. Assim sendo, uma das coisas mais importantes para ser um bom ouvinte é exercitar o silêncio, algo que muitas vezes nos assusta justamente porque pode mostrar nossos medos e vulnerabilidades.
Sendo assim, treinar o silêncio, praticar técnicas de respiração nos ajuda a diminuir a ansiedade e nos ajuda a entender nossos sentimentos e perceber nossas inquietações, diminuindo assim nossa impulsividade e nossa fala compulsiva. Interessante citar que Pitágoras há 495 a.C. já dizia que a sabedoria começa no silêncio e por esse motivo, exigia que seus discípulos permanecessem longos períodos em silêncio, sendo apenas “ouvintes”.
Hoje finalizo com uma frase de Christophe Andre “A escuta é uma abordagem de humildade em que colocamos o outro antes de nós mesmos. Progredimos muito mais escutando do que falando” . Até a próxima, namastê!
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Alessandra Cerri, sócia-diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba (Clap); mestre em Educação Física, pós-graduada em Neurociência e pós-graduada em Psicossomática