José Renato Nalini
Menos ainda discurso. O que talvez possa inverter a cruel equação a que o Brasil foi submetido em relação à natureza, é a economia. Tudo ainda é dinheiro.
Uma constatação empírica pode ajudar a compreender melhor esta reflexão. Indignado com a nefasta queima da palha de cana-de-açúcar em inúmeras cidades paulistas, passei a proferir decisões cáusticas nas ações ambientais movidas pelo Ministério Público.
Havia resistência na própria Câmara Reservada ao Meio Ambiente, porque o raciocínio jurídico ainda não distingue bem a lide interindividual daquela em que uma das partes é uma legião. Inclusive aqueles que ainda não nasceram. E a Constituição de 1988 os protege no artigo 225, a tutela ecológica.
O pior é que os melhores talentos eram contratados para defender os incendiários. Até o STF, esquecendo-se do princípio constitucional da vedação do retrocesso, legitimou as queimadas e considerou a revogação do Código Florestal compatível com a nova ordem cidadã.
Eis senão quando, a mecanização começou a ganhar vulto. Não foi o Judiciário que provocou a mudança. Foi o custo de trazer boias frias de outros Estados, oferecer acomodações e alimentação nutritiva, roupas adequadas, tratamento médico e outros direitos que tornaram a colheita manual mais dispendiosa do que a realizada por maquinário.
O mundo está num outro patamar. Dentro de 10 ou 20 anos, não haverá necessidade de petróleo. Mas as pessoas continuarão a precisar de água e de comer. A parte civilizada do planeta sabe que o aquecimento global é uma catástrofe anunciada e já deflagrada. Vai exigir boa conduta dos negacionistas.
Enquanto o petróleo acaba, a energia solar ficará cada vez mais barata. E a eólica também. Ambas presentes nas partes mais vulneráveis e carentes do mundo. O Brasil tem ainda – enquanto o fogo não acabar definitivamente com ela – a maior biodiversidade global. Tem tudo para ser a potência terrestre verde, para ganhar dinheiro com a descarbonização, para faturar com a bioeconomia sustentável.
Só aqui parece persistir uma ignorância suicida, a negar que a floresta sofra destruição e incêndios. Nos Estados Unidos, a Singularity University promove um concurso para a defesa da floresta tropical, deixando o cálculo frio e irreal do valor da árvore vitimada pela motosserra para avaliar o que vale a biodiversidade e a árvore em pé.
A oferta para os pesquisadores é sedutora: prêmio de dez milhões de dólares, oferecidos pela XPrize Rainforest.
Por incrível que possa parecer, num país em que a cada 15 anos esquece-se do que aconteceu nos 15 anos interiores (ideia de Ivan Lessa), há jovens atentos ao que acontece no Brasil dendroclasta. Eles podem alavancar pesquisas e despertar a atenção da sociedade civil, para que se oponha ao extermínio dessa exuberante natureza com que fomos privilegiados.
Bom sinal é a advertência dos Fundos internacionais que administram trilhões e que teriam todo o interesse de investir no Brasil, mas que não virão se a tragédia ambiental tiver continuidade.
Além deles, os três maiores Bancos se uniram para oferecer estratégia de preservação para a última grande floresta tropical do mundo, hoje alvo de criminosos incentivados por quem só existe porque sua função foi programada para proteger a cobertura nativa deste imenso território.
O manifesto de todos os ex-Ministros do Meio Ambiente não pode ser desconsiderado e precisará encontrar eco numa República que já foi considerada pioneira na proteção ecológica. Assim como o protagonismo do Congresso Nacional, onde há perfis sensíveis e convictos de que é do mais genuíno interesse brasileiro voltar a ser um exemplo de nação preocupada e atuante na relação homem/natureza.
É o povo, único titular da soberania, que tem de participar dessa cruzada salvífica. Decretos e discursos ocos não têm o condão de inverter a morte anunciada de nosso maior patrimônio. Aquele que ninguém construiu, mas que sabe exterminar com deliberada má-intenção.
Nossos netos, bisnetos e quem mais vier, não merecem esse destino.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo