O preço da reeleição

Almir Pazzianotto Pinto

 

Enorme desserviço à Nação prestou o presidente Fernando Henrique Cardoso ao forçar a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Emenda nº 16, de 5/6/1997, que deu nova redação ao parágrafo 5º do art. 14, ao caput do art. 28, ao inciso II do art. 29, ao caput do art. 77 e ao art. 82, todos da Constituição.

Tanto trabalho para consagração de grave imoralidade: permitir a reeleição do próprio presidente Fernando Henrique e, por via de consequência, de Lula, Dilma e, eventualmente, de Jair Bolsonaro.

Ao consultar as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, o leitor observará que a reeleição do chefe do Poder Executivo não pertence às nossas tradições republicanas. Getúlio Vargas permaneceu 15 anos no poder, entre 1930 e 1945. Para consegui-lo fez incluir na Constituição de 1934 dispositivo que lhe permitiu suceder a si mesmo, como chefe do Governo Provisório e deu o golpe de 10/11/1937. Em 1945, porém, ao pretender adiar as eleições previstas para 2 de dezembro, foi deposto pelas Forças Armadas.

A rotatividade do poder é essencial à democracia. A Constituição cidadã de 1988 estabeleceu o mandato de quatro anos e vedou a reeleição do presidente, governadores e prefeitos. Dizia o art. 14, § 5º: “são inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”. A Emenda nº 16 trocou a inelegibilidade pela reeleição ao prescrever que o presidente, os governadores e os prefeitos “e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”. A Emenda alterou também o art. 82 reduzindo um ano do mandato. Foi entregue um para ganhar quatro.

Durante a campanha o candidato Jair Bolsonaro prometeu não disputar a reeleição. Assegurou que governaria com austeridade, combateria a corrupção, não adotaria o “do ut des” e se dedicaria à concretização das reformas. Para auxiliá-lo convocou o juiz Sérgio Moro, a quem entregou o Ministério da Justiça, e o economista Paulo Guedes, incumbido da administração da economia, do controle das contas públicas e da retomada do desenvolvimento. Seria o homem forte do governo, o seu posto Ipiranga.

Maquiavel ensinou que a primeira regra a ser observada pelo governante é a de se conservar à frente do governo, ainda que tenha a necessidade de faltar com a palavra. Pontes de Miranda, notável constitucionalista, escreveu nos Comentários à Constituição de 1946 que “todo presidencialismo é resto de monarquia; o Presidente da República, rei a curto prazo e a forma de governo monarquia a prestações”. Logo depois registrou: “Na América do Sul o presidencialismo é forma civilizada do caudilhismo, o caudilho central escolhido pelos caudilhos locais” (vol. I, 11).

Estão escancaradas as pretensões do presidente Jair Bolsonaro à reeleição. Com o coronavírus impedindo eficiente combate à crise econômica e agravando o problema da desocupação e do desemprego, sobram-lhe argumentos para pagar auxílio emergencial a 65 milhões, moeda de troca no mercado da popularidade.

Perdido 2020, as esperanças passam a ser depositadas em 2021. Quais os projetos do presidente Bolsonaro? Como ficará o País após as eleições municipais? Haverá dinheiro para o auxílio emergencial? A pandemia refluirá permitindo a volta da vida ao normal? O sucesso do projeto de reeleição dependerá de fatores previsíveis e imprevisíveis, controláveis e incontroláveis. Deseja-se que surja alguém  com a combatividade de Ulysses Guimarães, a diplomacia de Marco Maciel, a cultura de Paulo Brossard e a capacidade de articulação de Tancredo Neves, capaz de revigorar o ânimo do eleitorado.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribuna Superior do Trabalho (TST), autor de A Falsa República; publicado no site “Osdivergentes. com”, Editor Orlando Brito, Brasília, DF, 6/9/2020.

 

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