Camilo Irineu Quartarollo
A vida se dá nesse limiar do riso, do ridículo. O que dá para rir, dá para chorar, diz um ditado. As fakenews estão aí cunhando vacinas de esquerda e de direita, dando pátria ao vírus, chinês, mas o Trump do “América first” conseguiu o primeiro lugar de pandemia, é triste, mais ainda, nós somos o segundo, logo atrás do tio Sam. Perdemos mais de 5% de nossa população, 115 mil pessoas, talvez percamos 10%… Tá rindo de mim! Tá rindo de quê?
Os palhaços existem desde os tempos imemoráveis e, pelo jeito, talvez tenham nascido antes da criação do éden. Parece-nos que o Altíssimo estava de bom humor quando fez o mundo. Dizem os estudiosos: o humor, por mais herético que seja, é questão transcendental. Como contrariar um palhaço, um bom palhaço? Quantas mortes morrer? Melhor aprender a viver! Einstein concebeu Deus como brincalhão e Duchamp mandou escrever no seu epitáfio que, “afinal, quem morre são os outros”. Será que Deus é um palhaço?
Na Idade Média, com suas epidemias também, os palhaços viviam pelas vilas fazendo graça e contando histórias e, alguns, pela admiração de sua arte, chegavam às cortes de reis, aos palácios papais, com muita ginástica, se contorcendo, em corpo, alma e suor, como antíteses da sociedade e dos modos fingidos. A sorte sem destino colhia muitos na caminhada destes em busca de um pedaço de pão.
Perdemos mais de 5% de nossa população, mortos pela Covid, e avançamos nessa terra arrasada, queimada, cujas vidas se fossem terra reclamariam, mas somente são somente pessoas (com o perdão da ironia) – não dá para rir com o escárnio, mesmo com piadas de autoridades. Está rindo de mim? O país está sem cultura, a arte e a educação criminalizadas. Humor não é escárnio de piadistas eventuais, de chistes preconceituosos sem ressonância, é sinal de transcendência que se espraia no mundo espiritual numa gargalhada divina, de superação, de satisfação de se fazer tudo que se pôde, não de escárnio.
Uma nação sem artistas é fria, aliás, o riso e a arte estão na bíblia – na qual muitos veem a religião com sisudez, com sacralidade mórbida, fechada ao mundo. Muitos fenômenos de cura se revelam pelo riso, pelo teatro, pela aproximação não verbal e de difícil descrição, de eventos que somente se captam pelo inconsciente, sem explicação óbvia e cujas explicações podem se tornam doutrinas ou justificativas de ações devocionais. Um sorriso pode curar, uma gargalhada reverbera até nos horizontes e intimida o canto do sabiá.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor independente, autor de A ressurreição de Abayomi dentre outros