Covid-19: como enfrentar a doença sem dogmatismo

Juliana Assunção Ribon

 

Temos observado uma preocupação constante de pessoas sobre o protocolo da rede pública de Piracicaba para o tratamento de pacientes com a Covid-19. Pelo fato de se tratar de uma doença nova, com características ainda em estudos e sem um tratamento específico, há um consenso médico-científico a respeito da necessidade de se seguir um tratamento de suporte, para que os pacientes consigam vencer os problemas causados pelo vírus em seus organismos, até que surjam antídotos adequados para combatê-los e nos imunizar de sua ação.

Compete aos gestores da saúde, nesse sentido, organizar a rede de atendimento de forma a proporcionar as condições necessárias para que os médicos possam trabalhar com segurança. Há vários medicamentos previstos no protocolo municipal que podem ser utilizados, cuja prescrição depende do diálogo franco entre médico e paciente, devido às contraindicações, e da formação médica, uma vez que o prescritor é o soberano na escolha do melhor caminho a seguir, de acordo com o quadro clínico de cada paciente. Essa decisão não deve ser guiada por dogmatismos, mas sim, pela ciência.

A Comissão de Controle de Infecção Institucional, ligada ao Centro de Vigilância em Saúde (Cevisa), elaborou esse protocolo para sistematizar o tratamento e direcionar a condução dos casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 no Município de Piracicaba, com base nas diretrizes do Ministério da Saúde e das Sociedades Brasileiras de Infectologia, Pneumologia e Terapia Intensiva. O documento se orienta também pelos ensaios clínicos, experiências dos profissionais da saúde de todo o mundo e estudos científicos.

Os casos leves, por exemplo, podem receber alta hospitalar e permanecer isolados em casa, monitorados conforme os fatores de riscos do paciente pela rede de atenção primária, que são os postos de saúde. Seus familiares devem ser orientados quanto à importância da higiene pessoal, desinfecção de utensílios e ambiente compartilhados e isolamento, por um prazo de pelo menos 14 dias.

Os pacientes moderados e graves deverão ser internados para receber suporte clínico, oxigenioterapia, corticoide, antibióticos para cobertura de pneumonia comunitária por bactérias típicas e atípicas. Neste grupo de pacientes, o estudo conduzido pela Universidade de Oxford mostrou que o uso de corticoide (Dexametazona) reduziu a mortalidade em pacientes hospitalizados e em uso de oxigênio. O grande problema da infecção causada pela Covid-19 é a tempestade imunológica pelas citocinas (mediadores inflamatórios produzidos pela presença do vírus no organismo humano) e esses mediadores ativam cascatas inflamatórias e induzem o indivíduo a um estado de hipercoagulabilidade (tendência a fenômenos de trombose por todo o corpo) e uma lesão pulmonar grave. O corpo humano na tentativa de conter o invasor, que é o vírus, acaba provocando uma resposta imunológica tão exagerada que ao invés de nos proteger, acaba por lesionar os nossos órgãos e desenvolve a forma grave da doença que é a Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Na forma grave, a resposta inflamatória intensa poderá causar o colapso dos pulmões, insuficiência renal com necessidade de hemodiálise, inflamação do músculo cardíaco (miocardite, infartos), comprometimento do fígado (hepatite transinfecciosa), quadros neurológicos (acidentes vascular isquêmico), diversas lesões cutâneas, fenômenos embólicos (trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar) e outras. Toda essa inflamação intensa provoca falência do sistema respiratório e o paciente necessita, nesse estágio, de ventilação mecânica artificial para conseguir respirar e o suporte em uma unidade de terapia intensiva capacitada, com equipe bem treinada, que fará a diferença durante o manejo deste paciente.

O Ministério da Saúde autorizou tratamento com a hidroxicloroquina, ou cloroquina, e azitromicina nos quadros clínicos leves, moderados e graves, nos pacientes suspeitos ou confirmados com a Covid-19, tanto em idosos, adultos, pediátricos, gestantes e puérperas, com comorbidades ou não, desde que sejam respeitadas as particularidades clínicas de cada um. No entanto, até o momento, os principais estudos clínicos não demonstraram benefício do uso desses medicamentos, seja na pré ou pós-exposição. Por isso, não existe um protocolo científico de tratamento, impossibilitando que os médicos tenham total segurança ao prescrevê-los. Efeitos colaterais foram relatados. Por isso, o médico prescritor deve decidir em conjunto com o paciente ou com os familiares responsáveis sobre a prescrição mais adequada.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA), Sociedade Americana de Infectologia (IDSA), Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano (NIH) e Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) não recomendam o uso da cloroquina e nem da hidroxicloroquina para pacientes com Covid-19, exceto em pesquisas clínicas, devido à falta de benefícios comprovados e potencial de toxicidade.

Portanto, nosso protocolo não orienta prescrever tratamentos de uso rotineiro para nenhum dos grupos, mas deixamos em aberto a decisão da prescrição para os médicos, conforme recomendação do próprio Ministério da Saúde. Com isso, consideramos a amplitude do problema, a falta de informações seguras sobre a eficiência desses medicamentos de suporte no tratamento da Covid-19, a inexistência de um protocolo científico e, assim, permitimos que a ciência médica se desenvolva em sua prática diária, sem coibir a liberdade médica e dos pacientes atendidos, visando com isso a obtenção dos melhores resultados. Até que, deve-se enfatizar, se tenha um tratamento conclusivo ou uma vacina.

______

Juliana Assunção Ribon, médica infectologista do Cedic – Piracicaba

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima