Viver é resistir, é resistência. É estar no tempo e produzir boas coisas em essência. É dar-se à arte da guerra com a decência de quem luta não só para não sucumbir, mas para erigir, sobre alicerces raros, o castelo da consciência tranquila em tijolos forjados na mais pura auto-exigência. Viver é imprimir a história da vida no concreto frágil do papel, é manchar o texto sobre a folha com cuidado, é tornar público a ciência de que os dias passam, os meses passam, os anos passam e se firmam – no entanto – sob olhares atentos que os registram e os materializam como realidade em corpo de palavras e em organismos de imagens, com solidez volátil e insistência.
Lembrar é resistir também. E eu me lembro bem. Lembro das máquinas batendo seus rolos de tinta preta em vai e vem. Lembro-me do homem em macacão azul salpicado de pinceladas pretas dando alma ao que vinha a ele em forma de letras. Lembro-me das caixas de linotipos feito feijões a serem escolhidos por dedos atentos que artísticos, compondo numa tela dura e fria a magia do que seria lido na manhã do outro dia. Meu pai andava as noites por ali – algumas apenas. E certas vezes, ia eu também. Na oficina dos textos, que mais parecia de longe uma mecânica de vocábulos, meu pai forçava os olhos dentro dos óculos, na escuridão do barracão pouco iluminado, e corrigia atento o que era de se ver e corrigir. Depois, eram entre os adultos apenas conversas animadas entre off-sets cuspindo páginas frescas a gotejar notícias. Eu me lembro. Eu me lembro bem – e crio um pouco mais, talvez, para lembrar melhor também.
Por isso, resisto ainda ao tempo e ao fim, mesmo em épocas fatídicas e fatais como as de agora. Então, ainda vivo – ainda lembro. Pelas manhãs, quando sinto o vibrar dos novos mundos trazendo pelo meu celular uma edição eletrônica de A Tribuna Piracicabana, não tenho como não me recordar dos cheiros das noites, poucas, em que eu visitava com meu pai o parque gráfico desse matutino, então encravado nessa época no ponto histórico da Rua do Porto – ao lado da Loja de segredos reais e milenares. No hoje-agora, o arquivo eletrônico que me chega veloz nas primeiras horas do dia carrega muito mais que notícias e opiniões – pois, para mim e sempre, carrega ele a poesia de tempos idos convertidos em dados valentes e corajosos que enfrentam mares cibernéticos feitos de vagas de uma realidade imaterial e fria.
No timão dessa embarcação jornalística-argonauta – outrora telúrica, enraizada nos canteiros mais antigos da cidade – segue Evaldo Vicente. Entre mares nunca dantes navegados e outros já por ele conhecidos, conduz o Mestre Timoneiro seu sonho de vitória contra monstros marinhos de todas as ordens. Conhecedor dos portos – e da Rua Porto, um de seus portos inicias e iniciáticos –, sabedor de novos mundos descobertos, o Comandante da Tribuna-embarcação leva no coração a história de uma cidade que ora agoniza presente e, ao mesmo tempo, distante de sua população (como falta gestão a esta cidade!). Em caixas de tesouro a caírem no mar de nossas leituras, segue a Caravela-Tribuna – comandada por Evaldo – cheia de memórias de outros idos, de outra Piracicaba mais justa (ou não), de outra quase piracicabana encarnação. Porém, segue. Segue a Tribuna com a mesma envergadura de sempre. Justa. Plural. Corajosa. Honesta. Eterna. Resistente, vive e viverá no todo dentro do espírito das gentes que a lê com os olhos da admiração que ela tanto merece. E como ela merece.
Seja morando nas lembranças, seja tocando o chão profundo ou navegando em mundos feitos de bites e bits, impressa ou virtual, meu desejo real ao Capitão-Mor dessa Imprensa-Nau – que no último dia primeiro de agosto celebrou mais um aniversário – é que sua resistência se mantenha vida, é que sua resistência a mantenha viva e que possamos celebrar, em melhores anos do Senhor que haverão de ainda vir, a coragem de sempre navegar, publicar e existir. Afinal, se navegar é preciso, publicar (que uma forma de estar vivo) também é preciso!
Vida longa à Tribuna, hoje e sempre!