Continuemos a recordar a figura de D. Luiz de Orléans e Bragança, segundo filho da Princesa Isabel e do Conde d´Eu.
Em 1907, ainda antes de seu irmão mais velho renunciar aos direitos à sucessão imperial, D. Luiz viajou incógnito para o Brasil e tentou desembarcar no Rio de Janeiro, num lance romanesco que foi considerado por alguns monarquistas veteranos como imprudente, mas pôs a nu a insegurança do regime republicano, que ainda temia, e muito, a possibilidade de uma restauração imperial. O exame da documentação primária da época deixa bem claro que o projeto assentado com seu pai previa que D. Luiz desembarcasse incógnito no Brasil, e que somente depois do fato consumado de estar em território brasileiro se desse a revelar. Mas o príncipe, conforme relata numa carta confidencial ao pai, julgou poder adaptar o plano às circunstâncias “conforme tinha sido combinado, inclusive com Pedro”. E já nos últimos dias da viagem sua identidade era conhecida no navio. Por outro lado, uma entrevista “explosiva”, concedida ao jornalista Fernando Mendes e cuja publicação os membros do Diretório Monárquico vinham impedindo, por julgá-la inoportuna, foi publicada no mesmo dia do desembarque, por determinação do próprio D. Luiz. Isso modificou completamente as condições do episódio, contrariamente ao que havia sido combinado com o Conde d´Eu. Modificou para muito melhor, segundo julgou o príncipe na ocasião – julgamento esse que com a perspectiva histórica quer nos parece acertado.
Logo após a renúncia do irmão, autorizado pela Princesa Isabel, que os monarquistas brasileiros ainda reconheciam de jure como imperatriz do Brasil, D. Luiz desejou assumir pessoalmente as rédeas do movimento monárquico. Começaram então suas dificuldades, de natureza diversa, talvez, das que imaginava encontrar, pois não foi entre os republicanos, mas entre seus próprios correligionários monarquistas que elas surgiram.
Muito ativo e dinâmico, D. Luiz correspondeu-se com monarquistas de todo o Brasil, despertando por toda parte simpatias e conseguindo reavivar esperanças onde elas pareciam para sempre extintas. Sua intensa correspondência, ainda inédita, com o Dr. Amador da Cunha Bueno, do Centro Monarquista de São Paulo, entre 1909 e 1916, composta de 63 peças, permite bem avaliar a atividade do pretendente. A correspondência com o Dr. Simplício de Mello Rezende, de Manaus, com certeza não foi menos intensa, mas até o momento presente não se conseguiu obter acesso a ela. Segundo escreveu Gilberto Freyre em Ordem eProgresso, “até a Presidência Hermes da Fonseca parece ter havido, no Brasil, possibilidade de restauração monárquica: assunto que talvez venha a ser um dia melhor esclarecido que à base dos documentos atualmente ao alcance do historiador ou do sociólogo. Das atividades nesse sentido, do Príncipe Dom Luís de Bragança, homem lúcido no seu modo de ser monárquico e eficiente nas técnicas de propagação das suas ideias, é possível que se venha a saber terem sido atividades mais penetrantes do que pareceram aos nossos pais”. (op. cit. vol. I, p. 79).
- Luiz lançou dois manifestos políticos, o primeiro escrito em fins de 1908 e divulgado em 1909, e o segundo, conhecido como “Manifesto de Montreux”, em 1913. Este último chegou a ser transcrito no “Diário do Congresso Nacional” (edição de 27-8-1913), pondo em reboliço a Câmara dos Deputados, nas sessões dos dois dias seguintes. A maioria republicana vetou a transcrição do documento nos “Annaes” da Câmara, contra o que discursou o deputado monarquista Martim Francisco de Andrada, o qual, aproveitando-se de um cochilo da censura, havia conseguido a publicação no órgão oficial, do manifesto.
Esse deputado, conhecido como Martim Francisco III, por ser filho e neto de outros homônimos, era sobrinho-neto de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Nascido em Santos, em 1853, e falecido no Rio de Janeiro, em 1927, tinha muito senso de humor e irritava os seus adversários políticos, porque era extremamente inventivo e inesperado nos modos que excogitava para colocá-los em ridículo. A transcrição, em um órgão oficial do governo republicano, de um manifesto monarquista do pretendente à sucessão imperial fez o Brasil inteiro rir.
Seus numerosos livros (vários dos quais tinham a particularidade de receber títulos com verbos no gerúndio: “Gracejando”, “Contribuindo”, “Viajando”, “Rindo”) são hoje extremamente raros e, quando encontrados em sebos, fazem as delícias dos leitores que têm, assim, acesso a aspectos curiosos e risíveis da nossa Primeira República.
Certa vez, quando criticava num discurso o governo republicano, ressalvou: – “Devo, em consciência, fazer uma ressalva: a República pode ter perdido tudo no Brasil, mas não perdeu a honra…” A Câmara inteira ficou estupefata, por um deputado monarquista fazer aquela afirmação. Mas Martim Francisco, depois de uma prolongada e bem estudada pausa, completou a frase: “… nem podia fazê-lo, porque ninguém perde o que nunca teve!”
Tanto no Parlamento como nos tribunais de júri, mostrava-se cortante e impiedoso nas réplicas. Era muito perigoso mexer com ele, poucos tinham coragem para provocá-lo. Certa vez foi eleito deputado, mas um poderoso líder político republicano fez de tudo para não reconhecer a validade de sua eleição e não queria lhe dar a palavra na Câmara. “Opor-me-ei com todas as forças ao reconhecimento do Sr. Martim Francisco!” – bradou com energia. Mas o Andrada, presente na sessão, rebateu ferinamente: “Quão diverso foi o proceder do seu ilustre Pai! O Sr. está me negando o ato generoso com que o beneficiou seu digno genitor!” O tal opositor era, ao que parece, filho ilegítimo cujo pai, em cartório, reconhecera…
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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.