É hora da Justiça eficiente

José Renato Nalini

A pandemia fez com que o sistema Justiça intensificasse o uso da virtualidade. O que até há pouco parecia impossível para alguns, tornou-se factível e ocorreu algo equivalente a um verdadeiro milagre: aumentou, significativamente, a produtividade do Judiciário.

Excelente notícia para uma República anômala nesse quesito. O Brasil já chegou a registrar mais de cem milhões de processos judiciais para uma população de pouco mais de duzentos e dez milhões de habitantes. Recado recebido pelo restante do planeta como testemunho de que aqui já se vive – ao menos em termos de contenciosidade – a guerra de todos contra todos. Fácil de explicar: se uma ação em juízo tem pelo menos duas partes, autor e réu, cem milhões de demandas representa litigância recíproca do total da cidadania. Incluídos os bebês e todos aqueles que ainda não têm condições de entrar diretamente em juízo.

Verificou-se que tudo funcionou, a despeito de a peste impedir o encontro pessoal das partes, seus advogados, juiz, promotor, defensor e funcionários. Obtive relatos de processos que se arrastavam e que chegaram a um acordo entre os litigantes. Sei também que até os réus da Justiça Criminal preferiram audiências à distância, pois evitou-se o sacrifício de locomoção em condições pouco dignas – os camburões – o depósito de encarcerados em celas que estão longe dos padrões ideais para abrigar um ser humano. As longas viagens e as audiências redesignadas. Tudo se evitou.

O país que é o terceiro no ranking do encarceramento se esquece de que o preso, por estar à disposição da Justiça, não perde seu status dignitatis. A videoconferência aumentou o grau de qualidade do tratamento ao reeducando.

O que significou essa paralisação? A certeza de que a Justiça independe da logística perversa que faz toda a estrutura funcional deslocar-se para se dirigir ao espaço destinado à concretização da cena judiciária. Economizou-se em tempo e em recursos financeiros. Não houve necessidade de utilização de viaturas, nem de veículos, nem de paramentos. Em lugar da perda de tempo, a otimização dele para produzir justiça mais efetiva.

O trabalho dos profissionais do direito ganha em eficiência quando realizado no recôndito de tranquilidade do lar, ou do escritório pessoal, em lugar do bulício das conversas paralelas, dos comentários, das fofocas, do “achismo” e de outras práticas tão comuns quando se reúnem os humanos.

Pesquisar, redigir, elaborar minutas ou decisões, persuadir, argumentar, convencer, encontrar argumentos, não é coisa que se faça melhor na proximidade física de outros colegas. É fruto do clássico “foro íntimo”. As obras-primas não se compadecem com a confusão, com o vozerio, com as risadas, com as gracinhas, com os chistes e com tudo aquilo que resulta de uma aproximação fortuita ou forçada. Como é o caso nos grandes ambientes dos escritórios ou oficinas de trabalho.

Houve quem resistisse ao “homework”, sempre na suposição de que o funcionário não investiria em realizar suas tarefas, mas se distrairia em afazeres domésticos. A prova é no sentido contrário. Há de se confiar nas pessoas. Afinal, o sistema Justiça não se alicerça sobre a presunção de boa-fé?

Lamentável que se queira voltar ao statu quo ante, quando tudo agora é diferente. Por que não consagrar uma prática que deu certo? Por que insistir num hábito que prejudica o trânsito, compromete a mobilidade já tão viciada nas grandes metrópoles? De repente vai se incentivar o investimento em construção de novas acomodações, quando estas não são mais necessárias. O delírio das “Torres”, das edificações, das estruturas. Até dos desnecessários novos Tribunais.  Quando, na verdade, a estrutura de que a Justiça necessita é uma revisita mental, uma revisão dos métodos e dos sistemas, um aggiornamento aos novos tempos, dentro da irreversível e profunda mutação da vida social que é resultado da Quarta Revolução Industrial.

O trânsito agradeceria, o ambiente idem e, acredito, boa parte do funcionalismo preferiria continuar a trabalhar à distância. A experiência deu certo. Para uma enfermidade tão desconhecida, com vírus mutante e incerteza quanto à imunidade absoluta, o mais prudente seria prolongar essa fase virtual. Ver-se-á que a Justiça pode ser feita sem o excessivo ritualismo, sem os aparatos que pouco significam para quem precisa desse serviço: o sedento por justiça quer uma resposta. Não precisa de cenário, nem de pompas, muito menos de teatralização.

Penso que a justiça ganha quando se mostra eficiente. Eficiência é mandamento constitucional, que o Judiciário mostrou conhecer nessa fase angustiante, mas que para a cidadania trouxe resultados mais do que exitosos.

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José Renato Nalini, desembargador aposentado, foi presidente do TJSP, é reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL)

 

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