José Renato Nalini
A retomada de fôlego da economia é urgente e imprescindível. O Brasil já não suporta cogitar de encarar mais uma década perdida. O ambicionado investimento externo talvez encontre obstáculos criados pelo próprio governo, que alardeou sua ignorância ao desproteger a Amazônia e os demais biomas e em provocar, em total insanidade, parceiros internacionais consolidados.
É preciso pensar num plano B. Ele está no mercado imobiliário. A construção civil é atividade que emprega todo tipo de trabalhador. Desde o não qualificado, até os mais renomados arquitetos e a engenharia de topo. A pandemia provou que a falta de saneamento básico é concausa eficiente na disseminação da peste. A restauração de áreas degradadas, embora habitadas, implica em redesenho da fisionomia das cidades.
Nessa cruzada de renovação das práticas, a burocracia deve ser definitivamente sepultada. Utopia num País imerso em ignorância de vários níveis. É um fenômeno que não atinge apenas os rústicos e não escolarizados. Reside também nos intelectos com pós-doutorado, desde que aferroados ao anacronismo de praxes consolidadas e que resistem à mudança estrutural.
Valho-me de um estudo realizado pela Booz & Company em 2014, por solicitação da CBIC, ABRAINC e MBC, na análise das barreiras burocráticas no segmento imobiliário. Acompanho, desde 1979, o investimento que o Registro de Imóveis realizou para uma funcionalidade que o converteu no serviço confiável e garantidor de segurança jurídica, a ponto de servir de modelo para todo o planeta.
O tempo de registro da incorporação imobiliária e a falta de padronização nos procedimentos cartorários, então apontados como gargalo, foram objeto de cuidadosa atenção de parte das entidades de classe, com apoio das Corregedorias Permanente e Geral da Justiça. Já não se pode falar impunemente em estrutura ineficiente das delegações extrajudiciais do RI, ao menos em São Paulo.
O processo informatizado é plenamente possível e foi o que garantiu a continuidade dos préstimos extrajudiciais durante os meses de isolamento físico social. A gestão proativa na transformação da realidade cartorária derivou de profícuo e permanente acompanhamento por parte das entidades de classe das categorias. A digitalização dos registros de propriedade e a centralização dos bancos de dados, através conexão online entre as delegações é uma realidade. É perfeitamente possível a submissão de pedidos online, o que facilita a apresentação de documentos.
Não é o RI que sacrifica a eficiência da cadeia imobiliária, impedindo as melhores práticas e a redução no tempo de realização dos projetos. Tudo poderia ser ainda melhor, houvesse maior compreensão de parte do CNJ, que nem sempre destina aos extrajudiciais o reconhecimento por tudo aquilo que eles fazem no sentido de aprimorar o sistema Justiça.
Tem sido costumeiro utilizar-se da estrutura extrajudicial para a implementação de políticas essencialmente judiciais. Um exemplo é a audiência de custódia, inaugurada na presidência do STF do Ministro Ricardo Lewandowski e iniciada em São Paulo. Ela só se tornou possível porque o extrajudicial forneceu estrutura material e funcional adequada.
A Corregedoria Geral da Justiça conseguiu implantar o chamado “Cartório do Futuro”, formatação original para os serviços auxiliares às Varas do Fórum João Mendes Júnior, um dos maiores do mundo, com a ajuda dos delegatários. Assim como é tradição nas Varas de Registros Públicos da Capital paulista, servir-se das várias categorias para aprimoramento das ferramentas e equipamentos nem sempre suficientes, se custeados pelo Poder Judiciário.
A absorção de serviços anteriormente judiciais pelas delegações mostrou-se mais eficiente, rápido e dinâmico do que sempre fora. Uma atuação conjunta só atende ao objetivo de constante atualização do sistema Justiça. Agora, com o agravamento de todas as crises, é imperativo que o extrajudicial mereça a devida atenção e respeito por parte do Estado-juiz, já que do empresariado – que custeia a máquina judiciária – ele tem recebido aprovação pelo empenho em modernizar-se.
É sempre importante recordar que o Estado não investe um centavo na atuação dos serviços extrajudiciais, dos quais leva razoável percentual. Uma razão a mais para prestigiar a sábia estratégia do constituinte de 1988, de que resultou uma classe preparada, operosa e devotada a bem servir.
O drama do Covid19 trouxe a boa notícia de que a cooperação, a conjugação de esforços e a solidariedade conseguem milagres em pleno dilúvio das certezas dinamitadas. Bom recado para que se inaugure uma fase de colaboração entre o extrajudicial e o Judiciário, de que derive injeção de ânimo na combalida economia tupiniquim. Da qual o setor imobiliário é aquele que poderá suprir as necessidades de mais negócios, geradores de maior esperança para a sofrida população deste Brasil de tantos paradoxos.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL)