Regularização fundiária do jeito certo

José Renato Nalini

 

O Brasil formal desconhece o Brasil real. Um dos efeitos não perversos da pandemia foi escancarar a miséria e a desigualdade, mostrar os invisíveis que habitam as franjas da legalidade.

Se algo restar da pandemia deverá ser efetiva sensibilização dos brasileiros lúcidos para as vulnerabilidades de uma Pátria esfacelada. Impõe-se imediata reengenharia mental para trilhar outras veredas, com ousadia e criatividade, para enfrentamento daquilo que fingimos não enxergar.

Um exemplo: a perseverante irregularidade fundiária que é objeto de teses, dissertações, ensaios e densa teoria, mas que na prática não funciona. Perpetua situações de iniquidade que aprofundam o fosso entre beneficiários do sistema e os sumariamente excluídos, que sempre respondem pelos mais pesados ônus.

Não se culpe o Parlamento. Ele tem respondido às demandas e a Lei 13.465/2017 ofereceu alternativas ao anacronismo que até então vem impedindo a efetivação de uma política estatal da maior relevância para o resgate dos valores sufocados pela policrise tupiniquim. Uma crise moral desaguou em crise política e em crise econômica. Tudo coroado com a crise sanitária.

Sair dessa cornucópia de desgraças vai exigir coragem. A regularização fundiária clama por coragem. Não se pode esperar que o Estado seja o condutor desse processo, até porque talvez interesse a alguns quistos da política partidária continuar a explorar a vulnerabilidade dos excluídos. Mas a regularização fundiária é um conjunto de ações que exigem participação de todos, num regime cooperativo de união de esforços. Vontade é o primeiro ingrediente. Em seguida, colaboração participativa.

Fugindo à reiteração de elucubrações teóricas e ao cansativo uso de um juridiquês que só atende ao mercado crescente da produção jurídica, a Uniregistral – Universidade Corporativa da ARISP – a Associação dos Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo ousou elaborar um curso para valer. Não insiste nas definições, nos conceitos, nas classificações, no aprofundamento de sofisticadas concepções do direito que o tornam inacessível à maior parte dos sedentos por justiça e propõe ensinar a fazer uma regularização fundiária do jeito certo.

Para isso, contou com a expertise de Renato Góes, alguém que alia ao conhecimento técnico uma prática exitosa em vários espaços. Foi o responsável pela regularização de dezenas de loteamentos informais em São José do Rio Preto e hoje leva a cabo algo que parecia insolúvel: a regularização de Vila Soma em Sumaré.

Utilizando-se de linguagem acessível a todos, congregou pessoas da área e organizou o curso “Regularização fundiária do jeito certo”, que se destina a motivar líderes comunitários, vereadores, prefeitos bem intencionados, o terceiro setor, as ONGs, as organizações sociais, as organizações da sociedade civil, os advogados, os arquitetos, os urbanistas, os benfeitores dos bairros carentes. Estudantes e futuros delegatários das serventias extrajudiciais também ganharão muito se vierem a conhecer essa forma nova de se enxergar um problema que o Brasil enfrenta desde o século XVI.

A regularização fundiária é o processo que não prescinde de uma visão plural e interdisciplinar de várias ciências. Seu objetivo não é meramente a regularidade formal, senão sanear aquilo que se mostrou disseminador do vírus assassino. As condições indignas de moradia da maior parte dos brasileiros constituem fator de acelerada disseminação da peste. Uma regularização fundiária bem feita afastará a reincidência de outras ondas da pandemia e evitará surjam novas enfermidades, próximas ao horizonte de quem desrespeita o ambiente.

Mais ainda, devolverá o status civitatis a brasileiros não cidadãos, mas considerados invasores, posseiros ou ocupantes clandestinos de terra alheia. E o resultado será uma injeção na combalida economia tupiniquim, que verá descortinar modalidades sedutoras de intensificação do crédito imobiliário, como a simultânea ou sucessiva alienação fiduciária em garantia sobre um único imóvel.

Saneamento, urbanismo, cidadania, economia e esperança, tudo ganhará impulso, mediante protagonismo de quem queira abraçar a causa.

O Brasil será outro depois desta tragédia, se a regularização fundiária vier a ser levada a sério. Ouça quem queira ouvir!

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APl)

 

 

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