Vivian Previde
A greve do último 1º de julho, deflagrada pelos motociclistas de delivery por aplicativo suscitou na sociedade o debate sobre a precarização do trabalho, a essencialidade desses trabalhadores e o acesso aos direitos trabalhistas básicos.
Que as relações de trabalho vêm se modernizando não é novidade para ninguém, o que se convencionou chamar de “gig economy” ou uberização do trabalho a cada dia fomenta o debate sobre a coisificação do trabalhador.
A uberização do trabalho, ou seja, a mediação da mão de obra por plataformas digitais sem vínculo empregatício formal é uma realidade mundial e colide frontalmente com o que tínhamos pré-estabelecido como relação de emprego. Aquela figura típica do empregado celetista com salário fixo mensal, que trabalhava das 8h às 18h, com direito a férias e 13º salário é cada vez mais rara e distante da realidade enfrentada por milhões de pessoas.
Somente na Grande São Paulo, os motociclistas de delivery por aplicativo somam um exercito de 280 mil pessoas, cuja função se enquadra como essencial para a manutenção das atividades básicas da sociedade. É impensável uma pizzaria ou farmácia que não ofereça serviço de delivery!
Fato é que os motoentregadores já não são uma subcategoria de trabalhadores ou meros coadjuvantes. Hoje essa massa de pessoas integra vitalmente a cadeia produtiva, sendo indiscutível a necessidade da manutenção das atividades para que a sociedade possa movimentar minimamente mercadorias.
Mas, e a qualidade de vida desses trabalhadores? Quais são suas reais condições de trabalho?
As denúncias que ensejaram o movimento grevista dão conta de que além de serem absolutamente ignorados nas políticas de prevenção e combate ao coronavírus, os motoentregadores não possuem garantidos nenhum dos direitos mínimos assegurados a qualquer cidadão, como o de intervalo durante o trabalho ou mesmo o direito de lavar as mãos, vez que as atividade não podem ser interrompidas. Tudo isso sem falar na inacessibilidade aos direitos trabalhistas assegurados pela Constituição Federal.
Os moto entregadores de aplicativos de delivery sequer questionam o acesso a direitos trabalhistas legalmente assegurados como FGTS e férias, a relação formal de emprego significa uma realidade distante demais para lutar. A bandeira içada por esses trabalhadores é acesso a direitos básicos de cidadão e questionamento sobre a forma como a sociedade está se comportando diante do “novo normal”.
O “novo normal” tem escancarado uma postura perversa onde aceitamos ficar isolados desde que outro nos traga por delivery e em tempo recorde o que precisamos. Pouco importa o quanto esse outro está recebendo pelo trabalho, se tem ou não intervalo para comer, lavar as mãos ou ir ao banheiro, afinal isso é responsabilidade do empregador.
As condições de trabalho precárias significam risco para o trabalhador, empresa e sociedade. Para o trabalhador porque empenha sua mão de obra, seu tempo e sua vida com contraprestação insignificante pelo trabalho que muitas vezes não lhe assegura o mínimo para sobrevivência atual e futura. Para empresa que vincula sua imagem a um sistema injusto de capitalismo selvagem de exploração de mão de obra. E por fim para toda sociedade que fica exposta aos riscos de uma atividade exercida sem as devidas cautelas sanitárias e, por fim, arca com os custos de um trabalhador subutilizado e muitas vezes adoecido.
É momento de reflexão. Vivenciamos um colapso de saúde sem precedente que deflagrou a maior crise econômica da história, mas em hipótese alguma podemos abandonar a responsabilidade de construirmos um modelo social firmado na dignidade da pessoa humana, em qualquer patamar da estrutura econômica, como é o caso destes importantes trabalhadores, nesta nova concepção.
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Vivian Previde, advogada especialista em Direito do Trabalho