Recentes avanços jurisprudenciais, desenvolvidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm evidenciado o surgimento de uma terceira posição, no embate entre as escolas subjetiva e objetiva do consumidor.
Este estudo visa a discutir, sob enfoque jurídico e econômico, o conceito de consumidor, a contextualizar as duas teorias, formuladas sobre o tema e os recentes avanços conclusivos, nos julgados de algumas seções do STJ.
A primeira escola de pensamento, denominada subjetiva ou finalista, considera que a aquisição ou uso de bem ou serviço, para o exercício de atividade econômica civil ou empresária, descaracteriza requisito essencial à formação da relação de consumo, qual seja, ser o consumidor destinatário final do produto.
Como o bem ou serviço são empregados, no desenvolvimento da atividade lucrativa, a circulação econômica não se encerra em mãos da pessoa natural ou jurídica que os utiliza. São pressupostos da teoria subjetiva ou finalista: a) ultimar atividade econômica com a retirada de circulação do bem ou serviço; b) o conceito de consumidor deve ser permeado pelo critério da destinação final econômica; c) a expressão destinatário final deve ser interpretada restritivamente, isto é, o bem ou serviço não pode ser reutilizado no processo produtivo, ainda que de forma indireta.
Para essa doutrina a empresa que compra bens para utilizá-lo como insumo, na sua produção, não seria consumidora.
A segunda corrente, chamada objetiva ou maximalista, considera que aquisição ou uso do bem ou serviço, na condição de destinatário final fático, caracteriza a relação de consumo, por força do elemento objetivo, qual seja o ato de consumo. São pressupostos dessa teoria: a) a destinação dada à fruição do bem ou serviço adquirido deve ser final, ainda que meramente fática, seja o consumo de natureza pessoal ou profissional; b) o bem ou serviço deve ser utilizado para destinação final, independentemente de ser a parte vulnerável ou hipossuficiente.
A teoria subjetiva parte de um conceito econômico de consumidor, enquanto a teoria objetiva pressupõe um conceito jurídico de consumidor, resultante de exegese mais aderente ao comando legal, positivada no artigo 2º do CDC.
Resumidamente, pode-se afirmar que, para a teoria finalista, consumidor é quem adquire produto ou serviço, como destinatário fático-econômico; a incorporação do produto ou serviço a algum processo econômico descaracteriza a relação de consumo, sua aplicação restringe a aplicação do CDC. Para a teoria maximalista, consumidor é quem utiliza/adquire faticamente o produto ou serviço, pouco importando a destinação, sua aplicação amplia o âmbito do CDC.
Recentes acórdãos do STJ têm sufragado terceira posição, a finalista aprofundada: consumidor é aquele destinatário final fático-econômico, desde que vulnerável a reconhecer a necessidade de mitigação do critério, para atender situações em que a vulnerabilidade da pessoa jurídica se encontra demonstrada, em caso concreto. A essência é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, princípio motor da política nacional das relações de consumo (artigo 4º, CDC).
Não se pode esquecer que consumidor pessoa física é sempre vulnerável presumidamente, enquanto a vulnerabilidade da pessoa jurídica depende de prova.
Veja-se, a propósito, manifestação do Ministro Jorge Scartezzine no REsp 661.145:
“Com vistas ao esgotamento da questão, cumpre consignar a existência de certo abrandamento, na interpretação finalista, na medida em que se admite, desde que demonstrada in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, à aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais … e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor.”
Cláudia Lima Marques foi quem adotou a denominação “interpretação finalista aprofundada”.
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Frederico Alberto Blaauw é mestre em Direito Comercial, advogado e consultor de empresas, professor de Direito Empresarial.