Rafael Gonzaga de Macedo
Quando em Atenas do século V a.C se instalou a democracia, uma mudança ocorreu no coração da política. Nos governos aristocráticos anteriores, as decisões que envolviam o destino da cidade eram tomadas no interior dos salões e palácios reais. Fruto de discussões oligárquicas, o jogo político ateniense pré-democracia pertencia à esfera particular de poucas e poderosas famílias nobres.
No momento em que a democracia foi instalada – uma democracia, é preciso dizer, excludente, pois não incluía as mulheres, estrangeiros e, obviamente, os escravos – o território das decisões políticas da pólis se deslocou dos espaços fechados, das câmaras reais, para espaços abertos, para a Ágora (a praça central da cidade). E o que isso pode significar para nós mais de 2.400 anos depois?
Significa que em sua gênese a democracia só pode existir enquanto atividade política pública e transparente. As decisões políticas que envolvem o destino de uma cidade e sua população devem acontecer como uma espécie de performance a olhos vistos, em uma arena em que o embate não é com paus ou pedras, mas com ideias e propostas.
É assim que acontece em Piracicaba? Ora, claro que não. O nosso prefeito parece não acreditar na transparência e mais: temer o diálogo e a sociedade civil organizada. Ele não consegue compreender que o fracasso na luta contra a pandemia não significará a derrota de seu grupo político, mas a derrota de toda uma cidade. Sua gestão se faz no interior de câmaras aristocráticas em que apenas os laureados pelo nome, poder e dinheiro podem participar e exercer a política.
Já percebemos que o argumento da prefeitura e seus aliados – especialmente um punhado de vereadores com dificuldades latentes de compreensão do significado de política – é que ele não precisa ouvir a sociedade civil, pois já existem os conselhos municipais que têm essa função. Nesse ponto, vale mencionar a iniciativa da vereadora Nancy Thame com uma proposta de criação de um comitê para gerenciar a crise.
Conselhos municipais? Ninguém viu, ninguém vê! A prefeitura tomou medidas erráticas e errôneas em relação à abertura do comércio. Mas quem participou dessas decisões? Qual foi o papel da sociedade civil para a tomada dessas decisões? Qual é a serventia de um conselho municipal da saúde se este não interage com a sociedade, se não se posiciona, tecnicamente, sobre esse grave período que estamos passando?
Recentemente o Coletivo Oswaldo Cruz enviou uma carta aberta ao Conselho Municipal de Saúde (CMS), especialmente ao seu presidente, cobrando um posicionamento. A resposta nos deixou boquiabertos. Nenhuma palavra sobre a pandemia. O senhor Milton Costa, presidente do CMS, no entanto, mandou-nos entrar na página do facebook do referido conselho e o que encontramos? Fotos do presidente despachando, compartilhamento de informações do perfil pessoal do Barjas Negri, etc. Ou seja, nenhuma informação relevante sobre ações efetivas do Conselho. Infelizmente, assim como o Brasil, Piracicaba está sofrendo um apagão técnico no âmbito da gestão pública.
Mas é preciso lembrar, a história será implacável com todos os que ocupam cargos de poder político – palavra de origem grega que significa intervenção na cidade – nesse período e não se posicionam em prol do bem comum. Que a decisão de abertura do comércio foi um erro nós já sabíamos, mas caso ainda reste dúvidas, sugiro que os leitores acessem o Radar Oswaldo Cruz em nossa página no Facebook.
Quando visitamos a página do Conselho Municipal de Saúde não vimos nenhuma palavra sobre a forma como a crise tem sido “administrada” pela gestão de Barjas Negri, no entanto, vimos fotos do presidente e a legenda: “trabalhando junto com o prefeito pelo bem da cidade.” Ora, em uma situação como essa não queremos que o conselho trabalhe junto com o prefeito, mas que o fiscalize e o auxilie tecnicamente. E não apenas o presidente, mas todos os conselheiros ao se calarem se tornam cúmplices da tragédia que se avizinha de nossa cidade.
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Rafael Gonzaga de Macedo, historiador, membro fundador do Coletivo Oswaldo Cruz