Por que Jesus se recusou ajudar a mulher cananeia?

Alvaro Vargas

Jesus sempre foi solícito com os inúmeros enfermos que o buscavam. Assim, causa surpresa, a sua recusa inicial ao pedido da mulher cananeia (siro-fenícia), que rogava ajuda para sua filha obsidiada (Mateus, 15:21-28). Os cananeus, são descritos na Bíblia como idólatras, profanos e ímpios, e a religião deles estava bem estabelecida na Palestina, antes da conquista Israelita. Entre as suas muitas divindades, Baal era o seu deus principal, junto com a deusa Astarote (1Reis, 11:5). Ao longo da história desse povo, existiram outros deuses, e as cerimônias consistiam em orgias e sacrifício de crianças. A influência pagã dos cananeus também se refletiu entre o povo judeu (Números 25:1-3). Embora escolhido para a tarefa de divulgar a crença no Deus único e ensinar o decálogo a humanidade, os profetas judaicos tiveram de empreender grandes esforços, na manutenção entre o seu próprio povo, dessas revelações. No século IX a.C. o profeta Elias teve que enfrentar o rei Acabe, cuja esposa Jezabel, introduziu a idolatria em Israel (1 Reis 16:32), e o profeta Jeremias condenou a idolatria entre os judeus, em que os pais entregavam os seus filhos em holocausto, para serem queimados no culto a Baal (Jeremias 19:5).

Na época de Jesus, a idolatria já havia sido extinta entre o povo judeu, que procurava então manter distância dos cananeus. Entretanto, o Mestre por alguma razão decidiu visitar aquela região pagã. E, ao ser reconhecido, uma mulher lhe suplicou “Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de mim! Minha filha está endemoninhada e está sofrendo muito” (Mateus 15:21). Jesus não respondeu a sua súplica e os discípulos até sugeriram que ela fosse embora (Mateus 15:23). Solícito, Jesus se dirigiu a ela: “Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel” (Mateus 15:24). Mas essas palavras não a demoveram, e Jesus como psicólogo Divino, à provocou com uma metáfora: “Não é certo tirar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos” (Mateus 15:26). O Mestre se referia aos seus ensinamentos, o alimento espiritual que distribuía a toda a gente, comparando os judeus já preparados para receber a Boa Nova, em relação ao povo idólatra da cananeia.

De acordo com o espírito Yvonne Pereira (Encontros com Jesus, Walace Neves), Jesus explicou: “É imprescindível que eu atenda primordialmente às ovelhas de Israel, pois as origens gregas de suas crenças nos ídolos de pedra e de barro a impediriam de aceitar a presença de alguém que represente o Deus único; a opressão sofrida por Israel, cujas lembranças criaram barreiras, até hoje, em seus corações. Assim, me vejo compelido a atender, em primeiro lugar, aos judeus, porque não é chegada a hora de atender aos gentios”. A mãe sírio-fenícia se colou aos seus pés: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos” (Mateus 15:27). Conforme esperado, a mulher respondeu positivamente a “provocação”, e com a sua resposta, demonstrou uma   fé incondicional no Mestre, se fazendo credora da ajuda Divina (Pedi e obtereis). Assim, a sua filha, foi curada naquele exato momento (Mateus 15:27).

Entendemos então a “reserva” de Jesus, pois ele aguardava a iniciativa da mulher cananeia em vencer a idolatria, e ter o merecimento para ser atendida. O povo judeu necessitou de uma preparação (servidão no Egito e XV séculos após o êxodo), para receber a Boa Nova. Os gentios seriam esclarecidos posteriormente, através do apóstolo Paulo e demais mártires do cristianismo primitivo. O Espiritismo esclarece que necessitamos do necessário tempo para desenvolvermos os nossos valores morais e intelectuais. Mas, mesmo com vinte séculos de cristianismo, muitos apenas trocaram o “deus Baal”, pelos atrativos do mundo material. Que a humildade e a fé dessa mulher cananeia, possa de alguma forma nos inspirar, de modo a valorizarmos melhor a presente encarnação.

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Alvaro Vargas, engenheiro agrônomo, Ph.D, presidente da USE-Piracicaba, palestrante e radialista espírita