Covid-19: Transparência diz que há riscos em mudanças na divulgação

A live, coordenada pelo jornalista Erich Vallim Vicente, teve a participação do presidente da Câmara, Gilmar Rota -Crédito: Guilherme Leite

A alteração, pelo governo federal, na forma como são divulgados os dados referentes à pandemia da Covid-19 no Brasil afeta a confiança da população, prejudica a formulação de políticas para a área da saúde e impacta os esforços para consolidar a transparência pública no país, que chegou a ser referência no tema e hoje desperta a preocupação de órgãos de fiscalização e movimentos de controle social.
O panorama foi traçado durante edição especial do programa “Parlamento Aberto Entrevista”, levada ao ar, ao vivo, na tarde desta segunda-feira (15) pela TV Câmara, com tradução em Libras e retransmissão pelas redes sociais. Com a apresentação dos jornalistas Erich Vallim Vicente e Fábio Alvarez, a atração reuniu convidados para discutir o tema “Transparência no alvo da pandemia”.
Participaram do debate o presidente da Câmara de Vereadores de Piracicaba, Gilmar Rotta (CID), o vice-presidente do CNPTC (Conselho Nacional dos Presidentes dos Tribunais de Contas) e presidente do TCE-TO (Tribunal de Contas do Estado do Tocantins), Severiano Costandrade, a gestora no Instituto de Governo Aberto Laila Bellix e o coordenador do programa de integridade socioambiental da Transparência Internacional Brasil, Renato Morgado.
Por 1h30, os convidados analisaram como as mudanças promovidas pelo governo federal na divulgação dos dados da Covid-19 afetam o direito ao acesso às informações oficiais. No início do mês, o Ministério da Saúde passou a comunicar apenas os casos confirmados e os óbitos causados pela doença registrados nas 24h anteriores, e não mais a totalidade deles. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que os dados, do modo como eram divulgados, não retratavam “o momento do país”. A medida foi depois revertida pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro Alexandre de Moraes.
“Se transparência é importante a qualquer momento, é ainda mais fundamental numa crise de saúde pública, em que a sociedade precisa ter informações de forma rápida e com confiança. À medida que o próprio governo passa a desconfiar dos dados que ele mesmo divulga, isso gera desconfiança e confusão na sociedade sobre em que acreditar e a que seguir”, analisou Renato Morgado.
O coordenador na Transparência Internacional Brasil explicou que, no médio prazo, a desconfiança da população em relação às informações de caráter oficial, cuja responsabilidade pela divulgação é dos governos, “pode ser muitos danosa para o debate público e a construção de soluções que dependem de todos”. “Ter informações de qualidade, em que podemos confiar, é ponto central nisso”, disse, ao lembrar que o Brasil “tem até boa posição em rankings de transparência graças a uma construção feita por várias mãos ao longo do tempo”.
Para Morgado, qualquer mudança na divulgação dos dados da Covid-19 no país “precisa de embasamento técnico e ser comunicada de forma clara, o que não vem acontecendo nessas tentativas”. “Numa época de fake news, quando o próprio governo tem uma iniciativa dessas, sem justificativa técnica, isso traz algo ruim, seja para a sociedade ou para os órgãos de controle.”
A opinião foi endossada por Laila Bellix. “Estamos vendo uma questão inusitada, que é o próprio governo desconfiar de seus dados publicados, como no Inpe, do desmatamento; no IBGE, dos dados de desemprego; e na Fiocruz, que não pôde publicar pesquisa sobre drogas. Agora ficou muito alarmante; o que a pandemia está evidenciando é um problema de transparência que está sendo renegado pelo governo federal há pelo menos dois anos e que está se mostrando muito mais denso.”
Para a gestora no Instituto de Governo Aberto, “a pandemia evidenciou a preocupação com a política de transparência, sobretudo do governo federal”. “No ano passado, a tentativa de mudar a Lei de Acesso à Informação sobre o que pode ser classificado como documento sigiloso já foi um alerta”, exemplificou. “Embora a área técnica da CGU [Controladoria-Geral da União] mantenha os programas e os compromissos internacionais, vemos um descolamento entre o governo federal e a burocracia. O fundamento da política de transparência se mantém por conta dos burocratas que permanecem no governo”, apontou.
Laila ponderou que, embora não seja possível ainda mensurar o efeito das mudanças feitas pelo governo federal na forma como divulga os números da Covid-19 no Brasil, a alteração no modo de tratar os dados é “nociva” à formulação de políticas públicas na área, pois afeta a “memória histórica” delas ao ignorar os métodos de coleta de dados estabelecidos pelo SUS “há anos”. “É o primeiro e o mais evidente impacto que causa”, concluiu.
Vice-presidente do CNPTC, Severiano Costandrade comentou a postura que os Tribunais de Contas de todo o país têm adotado para reforçar sua atuação na pandemia, com destaque para o lançamento de um compêndio com uma série de orientações para a emissão de pareceres técnicos que uniformizem a contabilização e a prestação de contas dos recursos destinados ao combate à crise provocada pelo novo coronavírus.
Uma das determinações dos Tribunais de Contas é de que os órgãos públicos passem a informar em abas específicas, em seus portais de transparência, os gastos relacionados às ações contra a Covid-19. As compras públicas, que tiveram suas regras flexibilizadas na pandemia por conta dos decretos de emergência e de calamidade, também estão sendo acompanhadas pelos técnicos, com a exigência de que “o gestor preste contas do que recebe e gasta na pandemia”, mas, ao mesmo tempo, com a preocupação de evitar “a infantilização da administração pública”, que traz consigo o risco de um “apagar das canetas”.
Costandrade elogiou a iniciativa da Câmara de, por meio do programa Parlamento Aberto, estimular a participação popular e defendeu a união de sociedade, Legislativo e órgãos de controle para que, uma vez fortalecidos, “não haja retrocesso” na transparência pública. “É importante que a sociedade valorize isso, acompanhe esse esforço. Afinal, é recurso do cidadão, somos seus empregados: se recebemos, temos que fazer valer a aplicação desses recursos públicos. A sociedade tem que nos reconhecer como partícipes desse processo.”
O presidente da Câmara, Gilmar Rotta, destacou que o programa Parlamento Aberto foi institucionalizado na Casa por meio de resolução e que sua implantação exigiu mudanças de conceitos, tanto de vereadores quanto de servidores, impondo “desafios que não foram pequenos”. “O objetivo é abrir as portas para a população, não só para conhecer e vir até a Casa, mas para que veja o que está sendo feito aqui dentro, como está sendo gasto o dinheiro público e se está tendo resultado.”
“Todos os vereadores e servidores estão apoiando, dedicando-se e mostrando que é preciso a transparência, com informações verdadeiras, colocadas em tempo real. É uma grande conquista”, completou Gilmar Rotta, que também falou dos resultados do projeto Câmara Inclusiva, do atendimento de 94% dos itens de avaliação no relatório mais recente do Observatório Cidadão de Piracicaba e da marca de 47 mil pessoas que estiveram na Câmara em 2019, com reflexos no aumento da participação popular em audiências públicas.

DESPESAS 

Em relação à pandemia da Covid-19, o presidente observou que a designação, em separado, das despesas decorrentes de ações de prevenção adotadas pelo Legislativo com seus funcionários já é cumprida. “A Câmara não tem essa função de combate direto, mas eu pedi à equipe de Informática que criasse um link dentro do Portal da Transparência em que informamos os gastos para o combate à Covid-19, como compra de álcool em gel e máscaras para os servidores.”
Antes, o vereador afirmou ser “preocupante que os estados e os municípios estejam fazendo uma contagem separada” em relação à pandemia da Covid-19 no Brasil após o governo federal mudar a forma de divulgação dos números. “Quando se trata de saúde pública, não pode haver dúvidas, porque ela se faz por dados corretos. O gestor não pode trabalhar com dados que não sejam os reais para poder se prevenir, elaborar estudos e, dentro do SUS, fazer saúde pública.”

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