Almir Pazzianotto Pinto
A frase não me pertence. Foi dita pelo Dr. Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB), entidade sediada no centro de São Paulo, cuja presidência tem sido exercida por lideranças da agricultura, da pecuária e do agronegócio.
Após décadas de trabalho em benefício do trabalho rural, o Dr. Pedro de Camargo Neto renunciou à vice-presidência da SRB em eloquente protesto contra o apoio manifestado pela atual direção ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A gestão de S. Exa., como todos sabemos, se caracteriza pela indiferença às violências praticadas contra a população indígena e a Região Amazônica, por grileiros, garimpeiros e exportadores de madeira. Na visão distorcida do ministro, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, o desenvolvimento deve ser promovido a qualquer preço, mais ou menos como acontece na China.
A devastação florestal no Brasil teve início com a chegada de Martin Afonso de Sousa em janeiro de 1531 e jamais foi detida. É recente a percepção da necessidade de medidas efetivas de defesa do meio ambiente. Rios, como o São Francisco, Tiete, Piracicaba, Capivari, Atibaia, outrora piscosos, estão em parte mortos. Falta-lhes, como a muitos outros, a indispensável cobertura vegetal. Nas grandes cidades o intenso trânsito responde pela poluição do ar. Cubatão já foi pior, mas ainda é vítima da dagradação. A Mata Atlântica praticamente desapareceu. Dela restam poucas áreas cuja preservação permanece ameaçada. As araucárias do norte do Paraná foram devastadas. Deram lugar a pastagens, ao café, à cana, à soja. Para quem desejar conhecer a realidade, a internet é farta de excelentes trabalhos escritos por especialistas.
O primeiro texto legal quase completo deve ter sido o Código de Águas, Decreto-Lei nº 23.643, de 10/7/1934, baixado por Getúlio Vargas. Entre as justificativas, uma dizia: “Considerando que o uso das águas no Brasil tem se regido até hoje por uma legislação obsoleta, em desacordo com os interesses e necessidades nacionais;”. Não se esclareceu, todavia, quais eram os interesses e necessidades; se eram a defesa do meio ambiente ou se consistiam em estimular o desenvolvimento, ao preço da poluição e do desmatamento.
Em agosto de 2019 São Paulo conheceu o fenômeno do “dia-negro”. Subitamente o céu escureceu, o sol ficou coberto e a Região Metropolitana ficou escura. O principal responsável teria sido o número assustador de queimadas na distante Região Amazônica. Em outubro de 2019 foram contabilizados 161.236 focos de incêndios no País, com aumento de 45% de área desflorestada, em relação ao mesmo período de 2019. Mais de 50% das queimadas ocorreram na Amazônia, 30% no cerrado, 10,5% na Mata Atlântica, 3,5% no Pantanal.
O aumento do número de incêndios florestais no governo Jair Bolsonaro é assustador e confirmado pelas estatísticas. Relegar ao abandono as preocupações com a defesa do meio ambiente deve fazer parte do programa de governo. Leiam-se as declarações do ministro Ricardo Salles na reunião ministerial de 22 de abril, tornadas públicas em 22 de maio, por determinação judicial.
A Lei nº 12.651, de 25/5/2012, sancionada pela presidente Dilma Roussef, resultado de longos debates na Câmara dos Deputados e no Senado, com ampla participação da sociedade civil e do agronegócio, encontra-se ameaçada. Os partidários do desmatamento já se mobilizaram para modificá-la para atender sinistros objetivos. A pandemia do coronavírus não é obra de Deus ou do acaso. Resulta da poluição e da densidade populacional que caracteriza grandes metrópoles, onde os cuidados com moradia, saúde, alimentação, higiene e limpeza cedem lugar ao ritmo alucinante da comunidade pobre e ávida de trabalho. Não por acaso o maior número de mortos e de infectados, em São Paulo, se verifica na periferia.
Edward Gibbon (1737-1794), autor do clássico “Declínio e Queda do Império Romano”, escreveu que “A história, na verdade, é pouco mais do que o registro dos crimes, das loucuras e das desgraças da humanidade”. O tratamento dado ao meio ambiente pelo ministro Ricardo Salles revela que Gibbon anteviu e profetizou a realidade.
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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), autor de “A Falsa República”