In memoriam de um grande genealogista: Marcelo Meira Amaral Bogaciovas (1952-2020)

Foi com muita surpresa e imensa dor que fiquei sabendo, no dia 8 do corrente mês de maio, que na véspera havia falecido meu velho e grande amigo Marcelo Meira Amaral Bogaciovas- um dos maiores, senão o maior genealogista paulista de nossos tempos. No primeiro momento, custou-me acreditar. Marcelo havia estado, havia poucos meses, aqui em casa. Tinha vindo a Piracicaba, como fazia com frequência, para pesquisar suas raízes piracicabanas, pelas quais nutria grande apreço. Jantamos juntos. Dois dias depois, reencontramo-nos no Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, em cujo excelente arquivo pesquisava.

Conheci Marcelo há muitos e muitos anos, na década de 1980, ainda no velho Instituto Genealógico Brasileiro, nos tempos em que era presidente o saudoso Dr. Augusto Benedito Galvão Bueno Trigueirinho. Éramos, ambos, bem jovens naquele tempo. Marcelo trabalhava como engenheiro químico numa multinacional com matriz nos Estados Unidos, mas desde adolescente dedicava todas as suas horas vagas à Genealogia, sua grande paixão. Já era casado com Clara – uma jovem de origem nipônica – e tinha três filhos bem pequenos, Rodrigo, Renata e Delise.

Marcelo era um rapaz bem atualizado e se movimentava com desembaraço no que, naqueles remotos tempos, os pesquisadores dispunham de mais moderno em matéria tecnológica.  Refiro-me aos pré-históricos microfilmes, que manuseávamos em enormes máquinas que faziam girar os filmes, ou em jaquetinhas avulsas, cada uma das quais arquivavam 60 fotogramas e eram lidas em leitoras de microfilmes de menor tamanho. Ainda tenho em casa essas duas engenhocas. Era assim que na época os moderníssimos genealogistas pesquisavam. Os mais antigos – como o nosso também saudoso Sr. Helvécio de Vasconcelos Castro Coelho, de Guaratinguetá – não eram afeitos a essas modernidades, e não abriam mão de suas lupas, usadas para decifrar rebarbativas letras de escriturários “de temporibusidibus”, conservadas em enormes livros de registro. Somente manuseando diretamente os registros antigos, de arquivos religiosos ou civis, é que concebiam uma pesquisa genealógica.

Sem embargo de sua modernidade, Marcelo era tradicionalíssimo. Tinha verdadeira paixão pelo estudo de suas raízes. Por parte de pai, era de origem lituana e, mais remotamente russa. Bogaciovas era, segundo dizia, a forma lituanizada do nome russo Bogaciov. Sua família era russa, mas se deslocara, ainda no século XIX, para a Lituânia.

Esse lado eslavo, Marcelo prezava, mas não chegou a estudar em profundidade. O que estudou, e muito a fundo, foi seu lado materno, Meira Amaral, paulista de 500 anos, como costumava dizer, atualizando o célebre dito de Alcântara Machado (“Paulista sou, há quatrocentos anos”). Conhecia também muito a fundo as raízes portuguesas dos troncos paulistas de que descendia, especialmente os ligados ao Arquipélago dos Açores. Esteve inúmeras vezes pesquisando in loco, em arquivos do Portugal continental e do Portugal insular.

Minha amizade com Marcelo se estreitou mais em 1989, quando publiquei meu primeiro livro, intitulado “A Legitimidade Monárquica no Brasil”, que foi lançado na sede do antigo São Paulo Club, no casarão que pertencera à célebre D. Veridiana Valéria da Silva Prado, filha do Barão de Iguape e mãe dos “quatro Prados”: Antônio, que foi conselheiro no Império e prefeito de São Paulo já na República, Eduardo, o famoso escritor monarquista que seu amigo Eça de Queiroz denominava “o bom Prado”, Martinho Júnior (Martinico) e Caio.  Nesse casarão, D. Veridiana recebeu com pompa e circunstância as visitas de D. Pedro II, da Princesa Isabel e do Conde d´Eu.

O lançamento foi feito, conjuntamente, pela Juventude Monárquica do Brasil e pelo Instituto Genealógico Brasileiro. Marcelo participou intensamente dos preparativos para o lançamento e fez questão de comprar 4 exemplares do meu livro, um para ele próprio, e um para cada um dos filhos. Ele sempre foi monarquista e se orgulhava de ser bisneto de fazendeiros que em 1902 fizeram um malogrado levante monárquico no interior de São Paulo, na região de Ribeirão Preto e Jaboticabal. Outro que também descendia deles era o grande poeta Paulo Bomfim, que escreveu a respeito um texto lindíssimo, intitulado “Avós rebeldes na voz de um neto”.

Vejo que meu espaço está esgotado e eu mal comecei a falar de Marcelo… Continuo semana que vem.

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Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História

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