Armas para o povo?

Marcelo Aith

Marcos Limão

A nação brasileira foi presenteada com um show de horrores advindos da revelação do malsinado vídeo da reunião ministerial realizada em 22 de abril de 2020. Dentre as inúmeras aberrações trazidas e crimes de várias naturezas perpetrados por inúmeros atores da equipe do Governo Federal, chamou atenção a fala do chefe do poder Executivo, em relação à necessidade de armar população brasileira para combater a suposta ditadura de esquerda no Brasil.

O presidente, em um discurso recheado de xingamentos a governadores e prefeitos, em flagrante desrespeito ao seu posto de chefe de Estado, afirmou, aos berros, que deseja “escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado”. Algo semelhante a esse rompante de fúria foi registado pelo “O Jornal Correio da Manhã”, em 12 de agosto de 1937: “Mussolini diz que só um povo armado é forte e livre”.

Benito Mussolini foi um dos fundadores do fascismo na Itália, que alcançou o poder com a bandeira de combate aos comunistas e os socialistas. Porém, após assumir o poder abandonou qualquer estética democrática do seu governo e estabeleceu sua ditadura totalitária. Para alcançar esse estágio, e mantê-lo, Mussolini armou o povo e criou uma milícia denominada “camisas negras”.

Os “camisas negras”, força armada do fascismo, foram organizados como uma violenta ferramenta militar desse movimento político. Os fundadores foram intelectuais nacionalistas, ex-oficiais militares, membros especiais dos Arditi e jovens latifundiários que se opunham aos sindicatos de trabalhadores e camponeses do meio rural. Seus métodos tornaram-se cada vez mais violentos à medida em que o poder de Mussolini aumentava, através da intimidação e assassinatos contra opositores políticos e sociais. Entre seus componentes, que formavam um grupo muito heterogêneo, incluíam-se criminosos e oportunistas em busca da fortuna fácil.

São grandes as semelhanças do discurso fascista de Mussolini  e o ideário proposto por Jair Bolsonaro na famigerada reunião do dia 22 de abril, especialmente no que diz a armar a população contra uma possível ditadura.

A Venezuela bolivariana dos ditadores Hugo Chávez e Nicolás Maduro –tão criticada por bolsonaristas– também fala em armas para o povo com muita frequência. Em 2006, seu oitavo ano de mandato, o então presidente venezuelano Hugo Chávez afirmou que se deveriam armar 1 milhão de venezuelanos, para evitar a invasão dos Estados Unidos.

Mas, quem são os ditadores potenciais na visão do presidente do Brasil? Por inúmeras vezes, ele se reportou aos governadores e prefeitos que estavam determinando o fechamento do comércio de produtos não essenciais a fim de evitar a propagação do Covid-19.

Dessa forma, não é difícil concluir que o presidente estava a sugerir que a população – especialmente a manada que o segue – se arme contra estes agentes políticos, em flagrante ofensa ao federalismo e ao Estado Democrático de Direito. O discurso presidencial está em evidente descompasso com a Constituição da República, que, logo no preâmbulo, estabelece que a Assembleia Nacional Constituinte esteve reunida com o objetivo de instituir um Estado Democrático destinado a assegurar a harmonia social e a solução pacífica das controvérsias.

Ademais, a conduta do presidente da República tangencia ao tipo penal previsto no artigo 4º, IV (“A segurança interna do país”), da Lei 1079/50, que cuida dos crimes de responsabilidade do chefe do Executivo federal, na medida em que um espírito beligerante dos seus seguidores contra os políticos contrários ao fim do isolamento.

Democracia é o regime político caracterizado justamente pela existência de diversas ideologias, por vezes com visões conflitantes de modelo ideal de sociedade. A questão é que, em um contexto de conflito, as controversas são resolvidas sem violência por meio da Política. É assim que funciona as sociedades civilizadas e democráticas. Pretender o contrário é flertar com estados totalitários.

Os ditadores da atualidade têm se diferenciado dos antigos por uma característica muito peculiar: utilizam o discurso de defesa da democracia e da liberdade para implantar um regime totalitário, em que o pensamento divergente não pode existir. As instituições e a sociedade abram os olhos para o Brasil idealizado pelo Governo Bolsonaro e revelado na fatídica reunião ministerial.

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Marcelo Aith, advogado especialista em Direito Público e Direito Penal e professor da Escola Paulista de Direito

Marcos Limão, jornalista e advogado, com especializações em Marketing Político e Direito Eleitoral

 

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