Oh, Nina Simone!

Eloah Margoni

 

Vi documentário sobre a vida da famosa, talentosa e engajada pianista, cantora e compositora estaduniense Nina Simone (1933-2003) no Netflix. Já conhecia a artista, mas não em detalhes. Nascida na Carolina do Norte, essa cantora negra de biotipo forte, dona de traços raciais muito puros e genuínos, foi uma criança miúda, disciplinada e estudiosa, que sonhava se tornar uma pianista clássica. A franca e violenta discriminação dos negros a impediu de ingressar no Instituto de Música Curtis, da Filadélfia, que era seu sonho; mas tal situação de injustiça e frustração, e porque ela precisava ganhar a vida, sobreviver, jogou-a para uma área muito diversa, que pavimentou um caminho de fama, de reconhecimento, até de riqueza a certa altura, igualmente de grande ativismo, ao lado das mais proeminentes e heroicas figuras deste movimento, como Martin Luther King Jr., e  dos líderes das marchas de Selma e Montgomery de 1965.

Nina Simone era bipolar (diagnóstico feito muito tardiamente, quando já na maturidade), o que lhe causou substanciais sofrimentos e também aos outros, especialmente à sua única filha. Tinha em si, ademais, profunda e compreensível raiva, despertada pelas arcaicas e absurdas discriminações e humilhações que sofrera, num lugar onde a Ku Klux Kan grassava solta. Com alma de guerreira, dedicação sem par ao piano, voz única e total originalidade, Nina alcançou a fama.

Casou-se com um ex- policial que foi seu empresário perspicaz durante muitos anos, mas que a explorava e maltratava, surrava-a e, como soe acontecer (lembremos aqui de Tina Turner), queria muito dar-se bem e lucrar com o talento da mulher, exatamente como se esta e esse talento fossem sua propriedade, como se a isso tivesse total direito. Nunca poderei compreender o porquê de Nina não se ter livrado dele, mas atribuo essa dependência doentia à sua própria psicose, ou seja, à patologia mental que portava. Ainda assim, Nina teve uma vida rica de aventuras e de histórias, de viagens pelo mundo; até morou na África. Teve amores e casos e, em momentos de grande necessidade, felizmente também teve amigos.

Há uma música de Nina que ficou bem conhecida por fazer parte da trilha sonora do clássico e antigo filme “Hair”, esse de muito sucesso à época, quando um jovem e sedutor Treat Williams dança sobre a mesa da festa de aniversário da filha de uma família tradicional e conservadora, ao som dessa melodia, que é um hino de igualdade, de confiança em si mesmo e de liberdade. Talvez seja a cena mais alto astral dessa obra. E nela está “la Simone”. Quem não conhece o musical, dê um Google e veja (ou reveja) a cena, recomendo. E pense em Nina.

Ain’t Got No / I Got Life

 

Ain’t got no home, ain’t got no shoes

Ain’t got no money, ain’t got no class

Ain’t got no skirts, ain’t got no sweaters

Ain’t got no perfume, ain’t got no love

Ain’t got no faith

Ain’t got no culture…

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Eloah Margoni, médica

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