A Medida Provisória 966, editada recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que prevê a punição dos agentes públicos nas esferas civil e administrativas somente se agirem com dolo (intenção) ou se cometerem erro grosseiro na adoção de medidas de enfrentamento da pandemia de Covid-19, inclusive as econômicas, foi tema da live do Parlamento Aberto, exibida no perfil do programa no Instagram. Nessa (26), Ismar Viana, mestre em direito e auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, avaliou que a medida, publicada no Diário Oficial da União, em 14 de maio, induziu a possibilidade de responsabilização por omissão de um segmentado grupo de agentes. A medida define como grosseiro o erro caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia. “Ela tem sido vista por críticos como um estímulo à impunidade, o que pode caracterizar abuso de poder”, comentou Viana.
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, no último dia 21, que agentes públicos poderão, sim, ser punidos caso adotem medidas durante a pandemia que contrariem critérios técnicos e científicos das autoridades em saúde. “O Supremo decidiu que há, de fato, relevância e urgência para que se evite qualquer adoção de medidas que abandonem critérios técnicos e científicos e coloque em risco a população. O momento exige isso. Por outro lado, percebe-se uma necessidade de aquisição de respiradores, por exemplo, o que pode ser um terreno fértil para fraude e corrupção”, ponderou o auditor do TCE-Sergipe.
Ele ressalta que a própria lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e a MP 966 surgem para tentar evitar que o agente público adote medidas sem se basear em orientações técnicas e sem que as orientações sigam os protocolos científicos de saúde publica. “Elas foram criadas com intuito de evitar que o agente público aja por voluntarismo e coloque em risco a saúde da população. Os parâmetros normativos passam o seguinte recado para o agente politico: é preciso que se qualifique a gestão”, alertou.
Ismar Viana salienta que a gestão só pode ser qualificada a partir da arregimentação de pessoas qualificadas, que farão, especialmente em momentos de crise, um bom combate. “Não adianta criar leis que flexibilizem a forma do agir público se eu não tenho pessoas preparadas para garantir essa ação. Para que o agente não erre, ele precisa ter pessoas qualificadas lavrando suas orientações técnicas”.
Para ele, as instituições existem para prestar serviços públicos e que o dever dos agentes é fortalecê-las para que possam, efetivamente, conter os excessos e desvios. “Esse momento é de ponderação. Não há, neste cenário, espaços para extremismos. Os dados sobre o coronavírus são alarmantes, estamos vivenciando uma crise econômica, social e sanitária. Não há porque se preocupar com eventual excesso do agir controlador, já existem parâmetros normativos que podem limitar essa atuação” informou.
A Medida Provisória 966 ainda deverá ser analisada pelo Congresso, que pode aprová-la com o mesmo texto enviado pelo presidente, com algumas modificações, ou rejeitá-la. A responsabilização dos agentes durante a pandemia, em sua opinião, deveria ser ainda mais agravada. “Se um gestor criou uma lei que possibilitou uma ação sem qualquer interferência dos órgãos de controle, ele deve ser severamente punido por isso. Não podemos tolerar corrupção neste período. O que se quer é que haja cooperação entre os órgãos de controle e os agentes administrativos”, advertiu.
De acordo com ele, as polêmicas em torno da MP 966 do ponto de vista jurídico é a de que as leis anteriores não foram suficientes para barrar o voluntarismo dos gestores públicos, enquanto que, do ponto de vista político, o que a mídia tem veiculado em noticias é que a medida quis afastar a responsabilidade de um agente que quisesse adotar medidas sem aparato cientifico — como a receita da cloroquina para combate à Covid-19, o que ainda não é amparado pelas principais pesquisas realizadas em todo o mundo. “O que se almeja dentro de toda essa estrutura governamental é que o cidadão, em todo o território nacional, sinta os efeitos das politicas publicas de saúde. O gestor deve agir, não por ele próprio, mas em nome do povo. O agir para o povo, em beneficio do povo, é sempre um risco tolerável. Se esse erro não for grave ou grosseiro, obviamente não há razão nenhuma para responsabilizar o agente que agiu pautado estritamente na boa fé”, opinou.
Superação da crise: auditor defende qualificação da gestão pública
27 de maio de 2020