Nilson da Silva Junior
Esta frase de “Nostradamus”, música composta por Eduardo Dussek, demonstra poeticamente o que dizem os especialistas da saúde, os epidemiologistas, biólogos e alguns religiosos. Aquela vida que tínhamos até entrarmos para nosso recolhimento não encontraremos mais quando sairmos. Outras necessidades, ligadas aos protocolos de higiene e cuidados pessoais se agregarão naturalmente ao dia a dia, reorganizando a forma como viveremos. Pudera! O antigo mundo agonizava, não havia mais condição de manter a humanidade de maneira digna, era mesmo necessário que ele se acabasse para que ressurgisse uma vida diferente. Não iríamos longe, se não assim, outros modos de destruição surgiriam para dar um basta no que éramos e, enfim, possibilitar o que precisamos ser de agora em diante.
Nossa humanidade pede mudanças, e não me refiro à raça humana, mas àquilo que somos, que nos compõe em nossa integridade. Não há possibilidade de convivermos mais com egoísmo, arrogância, prepotência, com a discriminação enrustida no íntimo de nossas percepções e o individualismo que nos faz pensar num mundo só nosso e dos nossos. Basta a essa teimosia inóspita que defende verdades das quais nem sempre se tem certezas. É preciso recuperar a humanidade, “reiniciar” o que somos para darmos chance a nós mesmos de melhorarmos no que éramos. Precisamos recuperar a sensibilidade, o poder de chorar pelos outros e não somente por nós, sentirmos a dor da fome do outro, a carência emocional, física, espiritual de quem está ao lado. Há urgência de que reaprendamos a perdoar os erros que não são nossos, compreender a limitação alheia e parar de nos colocarmos como o centro de tudo, como se só nós tivéssemos valor e importância em um mundo tão grande.
Com isso, a sociedade precisa mudar. Carecemos de solidariedade, não podemos mais entender ajuda como simples doação de uma cesta básica, apesar de ser necessária em muitas ocasiões para salvar pessoas da fome. É impossível continuar numa coletividade em que o direito está associado ao poder financeiro, necessitamos de equidade mais que poderes, de partilha mais que posses, humanidade mais que posições. O mundo é uma terra árida, onde muitos morrem por pouco e outros tantos vivem com muito. Há que se nivelar o máximo possível, dando chances, oportunidades, abrindo portas para que todos, indistintamente, entrem. Não se pode compactuar com exclusivismos, distinções e indiferenças. Iremos todos morrer se perdermos o espírito de unidade, onde todos tem o que dar e todos, o que receber.
A religiosidade, principalmente, necessita ser revista. Vivemos, não somente em nosso país, influenciados por crenças que afastam, elegem uns para a salvação e condenam outros a perdição. São feudos, tribos, que agrupam alguns, especiais, e discriminam quem não cumpra seu ritual. Uma devoção que se misturou à política, divinizando alguns “escolhidos” por puro interesse, sem sentido de coletividade. Uma crença intolerante, insensível, que categoriza o indivíduo por sua maneira de pensar, manipula, sem direito à reflexão, sem respeito pelo contraditório, pelo discordante, sentada no trono de sua própria verdade, afastando qualquer voz que lhe inquira e coloque sua atitude em dúvida. É uma fé sem revisão, sem contrição, arrependimento ou renovação, pautada pela ignorância de quem serve e pela opressão de quem manda. Quase como que uma monarquia, composta de “reis e vassalos”, onde obediência é passaporte para acolhimento e questionamento pressuposto para a exclusão.
O novo mundo necessita de uma religiosidade encarnada, que humaniza a vivência do amor, capaz de aproximar, irmanar. Uma espiritualidade dignificante, niveladora, onde quem participa é irmão, não obstante de que posição ocupe na sociedade. Uma fé de mãos prontas a apoiar, levantar, dividir, sustentar. De mentes e bocas dispostas a promover justiça e respeito, a denunciar os equívocos mantendo a capacidade de se solidarizar.
O novo mundo nos espera carente de muitas mudanças, pessoais, sociais, religiosas. Quem dera estejamos dispostos, abertos a reescrevermos novas liturgias, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o culto racional, transformados pela renovação de mentes, para que, de fato, possamos experimentar qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
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Rev. Nilson da Silva Júnior, pastor e professor; [email protected]
Levanta, me serve um café que o mundo acabou!
17 de abril de 2020