Adelino Francisco de Oliveira
O enfrentamento da pandemia do Covid-19 vai exigir medidas contundentes, tanto por parte do Estado quanto por parte da população. Com velocidade surpreendente, a contaminação do vírus tem avançado, levando ao colapso o sistema de saúde e resultando em muitas mortes. Estamos diante de um evento extremo, que desafia as sociedades a repensar suas estruturas.
Alguns setores sociais, diante da delicada situação que estamos vivendo, acabam colocando um falso dilema ético: ou se previne o contágio, protegendo vidas, ou se preserva a economia. Do ponto de vista ético, o direito à vida ocupa sempre o lugar central. Aliás nem se quer há nível de comparação entre os termos vida e economia. Sem a vida nada mais faz sentido. A cultura, a política e a economia somente existem para que a vida seja mais plena e possa se expandir.
A vida é o bem mais precioso de cada indivíduo. Essa é uma verdade ética inegociável, por ser absoluta e universal. É preciso ressaltar que nenhuma vida passa a ter maior valor que outra. Em perspectiva religiosa, toda vida é sagrada. A estrutura social, com suas instituições, existe para garantir o direito fundamental à vida, para todos os indivíduos, sem nenhuma exceção. Essa visão avança, inclusive, para se pensar a própria relação com a natureza, fonte e manutenção de vida.
A sociedade estará em risco quando a postura cínica daqueles que advogam, sem nenhum pudor ou constrangimento, que é natural que vidas se percam para que a economia esteja salvaguardada. Argumento aviltante, que não considera o fato mais básico: a vida é a razão da economia. É bem verdade que a morte é sempre uma realidade, mas é preciso que todo o esforço seja implementado para que a vida prevaleça.
A política neoliberal, com seu servilismo aos ditames do mercado, coloca os interesses econômicos de uma minoria acima da vida das pessoas. É como se cada indivíduo existisse apenas para atender e servir ao mercado, que é compreendido como uma entidade sobrenatural, com vontade própria. Há uma verdadeira idolatria do mercado, que se tornou um deus, adorado pelos sacerdotes do capital. Mas o dinheiro é um falso deus, com seguidores que só produzem injustiça e morte.
Incapaz de perceber as pessoas, em sua dimensão mais humana e real, a economia neoliberal apenas enxerga o lucro e as possibilidades de acumulação de dinheiro e bens de capital. É uma economia sem coração, alheia a qualquer sentimento de humanidade. O ganho, a riqueza, o acúmulo de bens é o único elemento relevante para uma economia sem coração. Não há pessoas, nem tradições, nem princípios, nem nada, apenas a contabilização do vil metal, que pode ser acumulado por alguns poucos infinitamente, enquanto a grande maioria deve viver à mingua.
Os capitalistas mais empedernidos, como cavaleiros do apocalipse, diante do prenúncio de perdas financeiras, querem lançar a população, os trabalhadores, para os braços tenebrosos do covid-19, em um ritual macabro que pede o sacrifício humano no altar do deus dinheiro. O chamamento para que as pessoas saiam do isolamento social e voltem a rotina de exploração e opressão, expondo-se mortalmente à epidemia, não guarda nenhum conteúdo nobre ou ético: é apenas e unicamente para não se perder mais dinheiro.
Neste momento todos os esforços devem ser direcionados para se vencer o covid-19, preservando o máximo de vidas possível. É preciso, especialmente e com urgência, socorrer e dar condições para que os mais pobres não sejam os maiores vitimados pelo vírus que pode ser letal. É o momento de forjar novas estruturas, profundamente solidárias e includentes, que tenham a vida humana como a grande verdade sagrada. Um novo modelo econômico deve surgir após todo esse cenário.
No contexto local, no município, a formação de um grande comitê, centralizando e orientando ações fragmentadas desponta como uma estratégia importante. A ordem do dia deve ser salvar vidas. O Estado como o grande mentor, o principal implementador de políticas públicas, em parceria com a sociedade civil, deverá renascer ante as urgências das pessoas e da comunidade. Está em curso uma nova sociabilidade, uma nova leitura de Estado, onde a proteção dos cidadãos e dos vulneráveis, garantirá a continuidade do processo civilizatório?
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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]