A força maior e o coronavírus

Almir Pazzianotto Pinto

Ignoramos quanto tempo permaneceremos no centro da pandemia do coronavírus. Médicos infectologistas dão declarações que beiram o pessimismo. Não há cura e a produção de vacina, no volume necessário, demandará período de mais ou menos 18 meses. O governo paulista calcula a ocorrência de 460 mil casos.

O receio da contaminação, a decretação de quarentena, ou o isolamento voluntário, produzem efeitos econômicos imediatos e devastadores. Com a loja, o restaurante, a pizzaria, o clube, a academia, a casa de espetáculos vazios, como fará o proprietário? Conservará os empregados inativos, pagando-lhes salários e encargos, dará férias coletivas, ou será forçado a dispensá-los? Conheço lojas e restaurantes com dezenas de empregados que acumulam muitos anos de serviço. O pagamento da indenização de 40% aos demitidos, calculada sobre depósitos atualizados do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como ordena a Constituição, trará passivo insuportável.

Montadoras de automóveis, ônibus, caminhões, indústrias de componentes e autopeças, fabricantes de eletrodomésticos, de tecidos, de móveis e de brinquedos, mobilizam milhares de empregados, com folhas mensais de salários de milhões de reais. Com o mercado paralisado, onde encontrarão recursos para persistir em atividade?

Estamos na primeira fase de crise humanitária, sem meios de prever quando e como a vida retomará a normalidade. Qualquer afirmação em sentido contrário será mero palpite, comprometido pela ausência de credibilidade.

Força maior é o “poder ou razão mais forte, decorrente da irresistibilidade do fato que, por sua influência, impeça a realização de obrigação a que se estava sujeito” (Dicionário Houaiss). A pandemia do coronavírus era imprevisível e é irresistível. Não respeita fronteiras e se alastra com velocidade.

Até quando os empregadores conseguirão sustentar a folha de pagamento? Além dos custos com matéria prima, fornecedores, impostos e taxas, as obrigações com salários, férias, depósitos do FGTS, contribuições previdenciárias, são inadiáveis. Empregados dependentes do emprego não têm condições de suportar atrasos.

A força maior é velha conhecida do homem. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) lhe dedica um dos capítulos, ao lado do caso fortuito. Define o artigo 501, como força maior, “todo acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, e para o qual este não concorreu, direta ou indiretamente”. O artigo 503 admite a redução de salários em caso de força maior, “proporcionalmente ao salário de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”. A Lei nº 4.923, de 23/12/1965, conhecida à época como “lei de crise”, prevê a redução temporária de salários, mediante negociação coletiva, na empresa que “em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada”, se encontrar diante de dificuldade insuperável.

No Código Civil ela é objeto do artigo 393, cujo texto afirma: “O devedor não responde por prejuízos resultantes de caso fortuito ou de força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. Verifica-se o caso fortuito ou de força maior, diz o parágrafo único, “no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Nestes dias de grave crise, o governo federal não pode fugir às responsabilidades diante de empregadores, vítimas de imprevisível e irresistível força maior. Dentro dos limites da legalidade, tudo deve ser feito para superar ou reduzir a crise, com o menor número possível de baixas e de prejuízos. Inevitáveis demissões não serão desmotivadas ou injustas. Isentar o empregador do pagamento da indenização de 40%, ou reduzi-la substancialmente, é algo em que se deve pensar. O empregado receberá os depósitos corrigidos do FGTS e contará, durante período razoável – que poderá ser ampliado – com o seguro desemprego, reforçado com recursos do imoral Fundo Partidário, cuja manutenção nada justifica.

A crise invadiu a nossa casa, o nosso local de trabalho, a nossa empresa. Na ausência de medidas sensatas, poderá ficar pior. O futuro depende do grau de conscientização do povo, do Poder Legislativo, do acerto na conduta do Poder Executivo. Afinal, a pandemia por coronavírus é real e aguda; não fruto de psicótica fantasia.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). “Migalhas”, 17/3/2020.

 

 

 

 

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