Somos insubstituíveis?

José Renato Nalini

Avizinham-se tempos plúmbeos e ameaçadores. A mudança climática é real e os céticos sofrerão, juntamente com os inocentes, as consequências da insanidade. Enquanto isso, a Quarta Revolução Industrial escancara o sucateamento daquilo que nós cuidávamos, sem nos preparar em direção ao futuro. E ele chegou.

Chegou com desemprego em massa. Galopante. Com a proliferação de moradores de rua. Com a droga conquistando jovens cada vez mais novos. Com a morte de 70 mil pessoas assassinadas a cada ano, mais 40 mil mortas em acidentes de trânsito. Sem falar nas dezenas de milhares impossibilitados para sempre de qualquer atividade, ante as sequelas dos infortúnios automobilísticos e motociclísticos.

Países que prestaram atenção ao que ocorria no mundo globalizado se prepararam. A juventude asiática é trilíngue, tem o inglês como idioma nativo, aprendeu uma terceira para conversar com o planeta. Domina a informática, a eletrônica, a cibernética. Inteligência artificial não é segredo para ela, assim como robótica, nanotecnologia, internet das coisas, realidade ampliada. Produz software, desenvolve aplicativos, muda a face da Terra.

Klaus Schwab, o fundador do Fórum Econômico Mundial, em seus livros “A Quarta Revolução Industrial” e “Aplicando a Quarta Revolução Industrial”, salienta que pelo menos 702 profissões serão extintas. Outras surgirão, é claro. Mas necessitarão de uma formação ainda inexistente no Brasil.

O exemplo das poderosas máquinas inteligentes para a lavoura é emblemático. Elas fazem quase tudo sozinhas e o agronegócio, que é a salvação da decrépita economia brasileira, tem condições de importa-las. Mas elas não são consertáveis com chave de fenda e parafuso, com estopa e querosene. Precisam de engenheiros especializadíssimos para a mera manutenção desses equipamentos caríssimos.

Estamos prontos para oferecer à juventude as atividades garantidoras de sua subsistência e suficiente para sustentar suas famílias? À evidência, não. Ao menos considerada a situação atual da Terra, seus desafios e as profundas mutações derivadas desse incrível avanço científico e tecnológico.

Temos de acordar e muito rapidamente. O algoritmo não pode substituir inteiramente o ser humano. Há um espaço interessante para a valorização daquilo que até há pouco era considerado inferior, menor, subalterno. Talvez os robôs possam acompanhar um paciente terminal e propiciar a dose adequada de medicamento de que ele necessite, quando o controle tecnológico mostrar que isso se faz necessário. Mas não há robô capaz de substituir a mão terna de alguém que acaricie as faces do doente em fase de tratamento paliativo.

Os idosos podem contar com alguns robôs para algumas tarefas das quais já não consigam se desincumbir. Mas haverá um robô para fazer as perguntas certas quando o longevo contar pela enésima vez as suas recordações?

Há tarefas para as quais o humano é insubstituível. Um guia simpático para turistas, um garçom atencioso, um acompanhante educado, um cozinheiro capaz de preparar receitas ao gosto do freguês, tudo isso ainda é insuscetível de ser trocado por computador.

O preparo de jardins, a colheita de flores e de frutas, a disposição estética de bancas, vitrines de lojas, quiosques de venda de artesanato, a companhia humana para roteiros históricos, culturais, artísticos e temáticos, tudo isso pode ser feito por um ser humano consciente do que faz.

As virtudes das quais os humanos se distanciaram nos últimos tempos, quais a polidez, a candura, a paciência, a empatia, a boa e velha educação de berço, tudo isso pode resgatar a supra valia dos integrantes da única espécie considerada racional. Isso pode ser a “salvação da lavoura” brasileira, não apenas o agronegócio que, se continuar a atropelar a ecologia, será barrado pelos europeus, muito mais sensíveis aos cataclismas ambientais do que nós.

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José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da Pós-Graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020.

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