Lyson Gaster e democratização da arte em Piracicaba

Adelino Francisco de Oliveira

Todas as formas de arte comunicam a beleza complexa que é a vida. A arte é a maneira mais elaborada de expressar a humanidade que há em nós. Por meio dela se alcança o que há de mais profundo, belo, ousado e criativo no humano. É preciso celebrar todas as artes, pois elas acessam e despertam as potencialidades inerentes ao ser humano.

Diante de tantas situações que tendem a limitar a existência, sendo a pobreza a mais aviltante, ou mesmo a falta de perspectiva e o sentimento de vazio, que reduzem a vida em angústias, a arte pode abrir caminhos, alargar horizontes, indicar que a vida pode ser sempre reinventada. Por isso a arte deve ser reivindicada como um direito fundamental. Alijar parcela da população do acesso às expressões artísticas consiste em impedir o pleno aflorar do demasiadamente humano.

A peça teatral Lyson Gaster no Borogodó – exibida no Teatro Erotides de Campos – é arte que pulsa, revisitando, com liberdade criativa, a trajetória da estrela do teatro de revista Lyson Gaster (1895-1970), artista de origem piracicabana. Sob a direção artística do genial Carlos ABC, direção de produção de Marcos Thadeus, com dramaturgia de Fábio Brandi Torres, pesquisa e roteiro de Maria Eugênia de Domenico e direção musical de Tato Fischer, o espetáculo é um recorte divertido e irreverente de situações retiradas da biografia da inesquecível Lyson Gaster.

Fiel ao seu trabalho de genealogia da arte piracicabana, Carlos ABC brinda o teatro, a arte, com a beleza criativa de cores, cenários e ornamentos, apresentando ao público facetas da vida de Lyson Gaster, que era espanhola, mas cresceu em Piracicaba. Trata-se de um espetáculo com cores, brilho, encenado por sete entusiastas atores, cuja movimentação dão vida à Lyson, retratando-a com diversão musical, dança e muita irreverência. Para o espectador, há a possibilidade de entrega a um mundo psicodélico, multifacetado, que narra a vida de forma não linear, com emoção, sensibilidade, dando-nos a certeza de que a arte é definitivamente capaz de nos lançar a um mundo de sensibilidade e transformação.

A humanidade, de maneira ampla, cria e produz cultura, mas cada indivíduo é provocado a avançar em sua condição quando experimenta a arte. Não é possível se falar em real desenvolvimento social sem a efetivação de políticas públicas que garantem o direito à cultura. É fundamental a implementação de projetos de difusão cultural, que oportunizem para a população experiências com as mais diversas formas de arte. Em contraposição a uma formação meramente disciplinadora, de viés militar, a educação das crianças deve contemplar a arte, abrindo a vida para o inusitado, um campo criativo de possibilidades e cores.

Mesmo em um tempo com menos recursos, entre às décadas de 1920 e 1940, Lyson Gaster cantava e interpretava pelos rincões do Brasil, levando o teatro de vedetes para as regiões mais distantes, em um movimento de expansão e democratização do acesso ao teatro. Neste ponto, o produtor cultural Marcos Thadeus, idealizador deste belíssimo projeto, enfatiza a ousadia pioneira de Lyson, que abriu fronteiras para o teatro, mas também faz clara advertência sobre o momento delicado que a cultura passa em nosso país.

Interessante a vocação da cidade de Piracicaba para as artes. Já são tantos filhos ilustres, nas mais diversas formas de expressão artística. Mas é preciso que essa força criativa, essa vontade de arte tome a cidade em seu conjunto, construindo um amplo movimento que garanta o direito à cultura. O protagonismo visionário de Lyson Gaster, liricamente retratado pela criatividade pulsante de Carlos ABC, é uma importante referência e inspiração. Que a arte ecoe e retumbe, de maneira democrática, em todos os cantos de Piracicaba.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

 

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