Muitas vezes a grande imprensa brasileira, distanciada das realidades mais profundas, publica coisas sem importância e não publica – ou pelo menos não o faz com o devido destaque – notícias que realmente importam.
Os 75 anos completados da tomada de Monte Castelo, pelos pracinhas brasileiros da FEB, mereceriam ter sido focalizados muito mais intensamente do que o foram, pela grande mídia. Transcrevo, a propósito, uma carta publicada na seção de correspondência dos leitores, pelo jornal “O Estado de S. Paulo” de 25/2/2020:
“VALOR VERDADEIRO – Há 75 anos um jovem brasileiro, então com 27 anos de idade, o tenente Apollo Miguel Rezk, liderou uma companhia de Infantaria do Exército Brasileiro, formada de jovens como ele, na tomada de Monte Castelo, na Província de Bologna, na Itália, após duas tentativas frustradas, contra os soldados alemães do 10º. e do 14º. Exércitos e da 1ª. Divisão de Forças Especiais de Montanha. E também contra todas as previsões e a opinião do general Lucien Truscott, comandante do 5º. Exército dos EUA. Meses depois, em 19 de maio, também liderou seus homens na tomada de La Serra, em apoio aos norte-americanos. Por ambas as ações foi condecorado pelo 5º. Exército: com a Silver Cross em Monte Castelo e, pelas ações em La Serra, com a Distinguished Service Cross, a mais importante medalha por bravura concedida pelos EUA. Em seu sepultamento, em 1999, um oficial da Marinha americana designado especialmente para a ocasião, ao saber que o major Apollo nunca recebera promoção por bravura, disse à filha do ex-combatente: ´Não compreendo vocês, brasileiros. No meu país, alguém com as importantes condecorações recebidas pelo major Apollo mereceria, ao longo de toda a sua vida, as homenagens, o respeito, a gratidão de nosso povo´. O povo americano jamais abandona os seus. E cultiva seus heróis para sempre. São lembrados, eternizados e homenageados nas escolas, em livros, monumentos, edifícios públicos e privados, filmes, na mídia, nas redes sociais. São os verdadeiros influencers eternos das antigas e novas gerações. Aqui condecoramos falsos heróis com medalhas cujos questionável merecimento e motivação expiram mediante a outorga. Nossos verdadeiros heróis são frequentemente esquecidos e seus feitos, ignorados. LUIZ ERNESTO R. GOZZOLI ([email protected] – Santos-SP)”.
Quis transcrever na íntegra, incluindo o e-mail do autor dessa belíssima carta, para que os leitores possam, se desejarem, entrar em contato com ele e o cumprimentarem. Ele merece. O pressuposto de seu pensamento é profundamente verdadeiro: louvar e reverenciar o mérito de um herói não constitui apenas um ato de justiça em relação a ele, mas constitui, sobretudo, um estímulo para todos aqueles que se beneficiarão com o seu exemplo.
Essa era a “filosofia” que estava por trás dos antigos títulos de nobreza hereditários. Não se tratava, como alegava a propaganda republicana, de premiar injustamente um mérito não pessoal, mas meramente herdado. Na verdade, tratava-se de estimular os próprios descendentes do primeiro titular a se portarem à altura do ilustre antepassado – e isso, a serviço do bem comum e, portanto, de toda a nação, entendida não apenas num tempo específico, mas projetada através das sucessivas gerações.
Winston Churchill, além de estadista notabilíssimo e orador de invulgar talento, foi também escritor e jornalista muito prolífico, autor de mais de 40 livros e de milhares de artigos publicados em jornais ou revistas. Por seus escritos, alcançou imenso sucesso e ganhou muito dinheiro. Chegou a receber, em 1953, o Prêmio Nobel da Literatura. Dos seus grandes livros, somente um não constituiu sucesso editorial: “Malrborough: sua vida e seu tempo”, obra em quatro volumes que publicou sobre John Churchill, primeiro Duque de Marlborough (1650-1722), que se havia destacado na Guerra dos Nove Anos (1688-1697) e na Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714) e constituía um verdadeiro ícone da Royal Army.
Winston Churchill sabia, desde o início, que se tratava de um livro técnico, que atrairia poucos leitores. Mas fez questão de escrevê-lo e publicá-lo. Por quê? Porque ter continuamente diante dos olhos a lembrança do que tinha sido e do que tinha feito seu remoto antepassado constituía, para ele, um estímulo constante. É bem possível que, nos momentos de desânimo e fraqueza, o genial bulldog que conduziu os Aliados à vitória de 1945 sentisse necessidade de um estímulo, e o procurasse na lembrança do velho Duque de Marlborough.
Grande Churchill! Que falta fazem homens como ele, nos medíocres tempos que estamos vivendo!
Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História