No fecho da nossa última coluna, recordamos o conselho sábio do Apóstolo São Paulo, em 1Tessalonicenses, 5, 21: “Experimentai de tudo, retende o que é bom”. É o que devemos fazer com o filme “A Educação Proibida”, que critiquei severamente nas duas semanas anteriores. Nem tudo nesse filme é negativo. Vamos, pois, aos pontos positivos.
Concordo inteiramente com a crítica que o filme faz à fragmentação dos saberes, à excessiva compartimentalização dos conhecimentos em ciências e subciências cada vez mais especializadas, com perda da visão universal das coisas. Essa crítica é muito pertinente. Não concordo com a solução proposta pelo filme, mas concordo inteiramente com a denúncia que faz do problema.
Também concordo com a crítica feita a um modelo único de escola, e com a ingerência do Estado na educação, em detrimento da família e dos grupos sociais menores, e com a necessidade de os alunos especiais (tanto aqueles que por alguma razão são carentes ou apresentam algum tipo de insuficiência, quanto os chamados superdotados ou de habilidades especiais) receberem uma educação diferenciada. Sou favorável a uma liberdade muito grande de modelos escolares, sem as ingerências estatais a propósito de tudo.
O excessivo rigor, à maneira quase de um campo de concentração, que vigia em certas escolas do passado, também me parece censurável. Que os alunos tenham voz para exprimir suas ideias, suas dificuldades, suas sugestões, nada mais natural. Mas uma escola sem direção definida, autogestionária, em que os alunos opinam e mandam em pé de igualdade com professores e diretores, isso é pura utopia.
Pessoalmente, sou muito crítico da cultura norte-americana e do “american way of life”, mas reconheço que seu sistema educativo – ao mesmo tempo extremamente liberal, extremamente meritocrático e extremamente competitivo – produz excelentes resultados.
Nos Estados Unidos, o ensino em todos os níveis, o fundamental, o médio e o superior, é absolutamente livre. Não há entraves nem controles de espécie alguma. Somente no fim da década de 1970 foi criado, no governo Carter, um órgão federal que supervisiona (muito por alto) o ensino de todo o país, mesmo assim com poderes limitadíssimos; antes disso, nem existia controle de espécie alguma; ainda hoje, os estados e os condados variam no sistema de supervisionar o ensino das suas áreas, mas na maior parte são extremamente liberais. Os pais educam os filhos como bem entendem, colocam-nos nas escolas que escolhem, contratam os professores que querem ou os educam em casa, mesmo, no sistema de “home schooling”. É comum famílias amigas se reunirem e os próprios pais, cada qual na sua respectiva área de formação, ministrarem o ensino a todos os educandos daquelas famílias. Nem titulatura acadêmica é exigida de professores, já que o autodidatismo é uma realidade muito respeitada nos Estados Unidos.
Em alguns estados, no fim do ciclo médio, quando o adolescente está com seus 16 ou 17 anos, ele presta um exame unificado naquele estado, para habilitar-se ao ensino superior. Mas mesmo esse exame inexiste na maior parte dos estados. Cada universidade tem seus critérios próprios de admissão de candidatos aos cursos de graduação; algumas realizam exames vestibulares, outras apenas analisam os currículos dos candidatos; o governo não interfere na autonomia universitária, de modo que algumas universidades prestigiosas são extremamente rígidas e severas no processo admissional, enquanto outras, menos exigentes, são mais liberais. O número de cursos universitários é enorme, mas há uma diferença sensível entre ter feito uma universidade prestigiosa e exigente, e ter feito uma “universidadezinha” qualquer…
Falei há pouco do autodidatismo, que é muito respeitado nos Estados Unidos. É o equivalente, no sistema brasileiro ao “notório saber”. Existem casos, nos Estados Unidos, de pessoas que, por notório saber, se inscrevem em cursos de mestrado ou doutorado, sem apresentarem NENHUM diploma de cursos anteriores, de qualquer nível. Se provarem que sabem, são aceitas. Até o prestigiosíssimo MIT (Massachusetts Institute of Technology) já conferiu títulos doutorais plenos a pessoas que nunca tinham, antes, se sentado em um banco escolar ou universitário. E há professores universitários em cursos de graduação ou de pós-graduação que nunca estudaram em escola alguma, apenas provaram que sabem e podem ensinar.
O sistema de ensino norte-americano é completado por uma imensa rede de cursos formadores de “paras”: paramédicos, para-engenheiros, para-advogados etc. São cursos técnicos, livres, que habilitam a uma variedade muito grande de profissões e atividades. E também as escolas militares são muito numerosas nos Estados Unidos; elas dão formação fundamental e média aos estudantes, alguns dos quais depois seguirão academias militares e ingressarão nas Forças Armadas; mas a maior parte deles irá para as universidades comuns e seguirão suas vidas como civis.
Esse sistema norte-americano é eficientíssimo. Sou insuspeito para dizê-lo, porque sou crítico muito severo da cultura norte-americana, globalmente considerada. Sei que esse sistema de ensino pode parecer monstruoso para quem é “meritofóbico” e é “politicamente incorretíssimo”… mas que ele funciona, ninguém pode negar. Basta ver o número de Prêmios Nobel que produziu e continua produzindo…
Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História