Quando F. morou na Espanha

Eloah Margoni

 

Reencontrei, com prazer, um cara piracicabano que conheci há muitos anos. Ele, que sempre foi extrovertido e simpático, quando jovem era bem bonito.

À época, resolvera viver por uns tempos na Espanha como imigrante ilegal, e assim o fez. Igualmente pensava eu em ir para a Europa nos idos de blá blá blá. Pensava na Itália, mas acabei em Portugal daquela vez, e como F. já regressara à terra da pamonha cujo milho não era ainda transgênico, antes de embarcar para minha aventura fui pegar umas dicas com ele. Contou-me então uma história engraçada que teve a ver com suas andanças.

Só após uns quatro meses de estar vivendo na Espanha, conseguira compreender bem o que as pessoas conversavam numa rodinha de amigos, disse-me ele. Antes desse tempo, não. Tivera, no início, mais dificuldades do que imaginara ter com a língua espanhola, mas depois foi pegando o idioma e ficou fluente nele. Também comprara carro, fizera amizades e tinha emprego de colar cartazes de propagandas em outdoors ou muros. Trabalhava sempre tarde da noite.

O momento era ruim, pois imigrantes ilegais eram caçados e abordados em vários lugares. Quando apanhados eram extraditados, naturalmente. Os policiais da imigração iam a barezinhos noturnos, onde encontravam jovens que queriam se estabelecer naquelas paragens, dando gerais e prendendo a galera. Não algo tão ruim quanto o que Trump fez e faz aos brasileiros, também a outros imigrantes hoje em dia! Mas para quem pretendia continuar no país, também era chato.

Uma noite, estava ele trabalhando como sempre, colando cartazes de propagandas, quando percebeu movimento de um carro de polícia que se aproximava. Tremeu, mas percebendo não haver tempo para se esconder e que correr não seria opção, continuou fazendo sua atividade com os cartazes, em cima de uma escada. De fato o carro parou atrás dele, um pouquinho distante por causa do tamanho da calçada e da escada que os separava. O policial ordenou em tom autoritário:

– Muestra tus documentos!

Ele… nada! nem pelotas deu lá encarapitado, colocando o cartaz do momento e fingindo não entender patavina, nem se importar com o homem fardado. Mas agora é a hora de descrever o jovem F. Alto, de constituição rija e peso condizente, loiro mesmo de verdade sem ser brancão, dono de um cabelo espesso, só um pouco para o dourado e de um rosto forte, queixo firme e levemente prognata.

Tão loiro quanto alheio continuou seu trabalho, pelando-se de medo por dentro.

O policial estava com raiva e depois de chamá-lo algumas vezes e continuar a ser ignorado, não tomou nenhuma atitude maior senão gritar furioso:

– Aleman del infierno! Aleman de mierda!! Rugiu assim o representante da lei e o deixou em paz, indo embora batendo os pés.

Verdade, somos tão misturados em termos raciais e genéticos que poderíamos, pelo visual, ser oriundos de qualquer parte do globo, inclusive até do Brasil. F. tem um sobrenome de italianos do norte e, dependendo da região originária desses e de estripulias do acaso, com certeza terá genes nórdicos.

Importante, a Alemanha é a estrela rica da Europa e já o era então. Na União Europeia, a Espanha é considerada um pouco fora do centro mais influente e um alemão andaria onde quisesse, ignorando arrogantemente as ordens do policial, que só podia bater em retirada humilhado, e xingando.

Enfim, todos temos nossos momentos de frustração e de derrotas. O “carabinero” teve o dele naquele momento. Só espero, agora, que o nosso não seja eterno nem muito duradouro, pelos céus!

 

Eloah Margoni, médica

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