Continuemos o importante tema da nossa última coluna, na qual iniciamos a crítica do filme “A Educação Proibida”, que divulga pela internet uma proposta de “modelo pedagógico inovador”, em contraposição à escola tradicional à qual estamos habituados desde a velha Hélade, desde os tempos em que Aristóteles e seus discípulos peripatéticos rodavam pelas cercanias de Atenas, elaborando as matrizes de todo o pensamento ocidental.
O modelo proposto pelo filme parece tentador e aliciante, mas parte de um equívoco fundamental: supor que pode ser aplicado à GENERALIDADE dos alunos um modelo que até pode ser muito adequado quando aplicado a um PEQUENO NÚMERO de alunos, muito diferenciados e especiais.
Um exemplo pode deixar claro meu pensamento. É impossível uma grande sociedade caminhar bem e gerar estavelmente riquezas sem a propriedade privada e a livre iniciativa. A natureza humana é constituída de tal forma que cada qual procura, antes de tudo o seu bem individual e, depois, em círculos concêntricos, vai ampliando os objetivos: a família, o bairro, a cidade, o estado, o país etc. Cada qual visando primariamente ao próprio bem individual, o resultado global é que são geradas riquezas, as quais, além de beneficiarem diretamente os seus possuidores, indiretamente beneficiam o conjunto da sociedade.
Esse princípio geral é aplicável à quase totalidade dos grupos humanos. Todas as sociedades que imaginaram ser possível uma geração de riquezas sem o estímulo primário da propriedade individual, fracassaram na pobreza generalizada. Em 1991, desfez-se a União Soviética, que durante 70 anos tentou impor ditatorialmente o modelo contrário, e causou, com essa utopia, a morte de mais de 120 milhões de pessoas. Hoje, ainda sobrevive o regime comunista em Cuba, no Vietnã do Norte, com populações miseráveis e subalimentadas. Na Venezuela atual, que perseguiu o mesmo ideal “bolivariano”, até papel higiênico está faltando, e a ministra da saúde vai à televisão para explicar ao público que faz mal à saúde escovar os dentes mais de uma vez por dia…
Na verdade, a experiência mostra que o princípio teórico dos socialistas utópicos e do socialismo dito científico de Marx, segundo o qual “de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual segundo sua necessidade”, ou seja, todos dão o melhor de si em benefício de todos, não funciona na GENERALIDADE dos casos, embora possa funcionar muito bem em ALGUNS CASOS ESPECÍFICOS.
Repito: esse princípio teórico e igualitário sempre fracassou quando aplicado ao comum dos homens e das sociedades numerosas, mas excepcionalmente deu certo, e muito certo, quando aplicado em pequenas comunidades unidas por um ideal religioso ou patriótico compartilhado por seus membros – por exemplo, numa comunidade monástica, onde não há propriedade privada, mas todos dão o melhor de si por ideal religioso, ou num kibutz da primeira fase do retorno dos israelitas para a Palestina, quando todos trabalhavam produtivamente em regime socialista, movidos pelo ideal místico e patriótico de reconstruírem o “Eretz Israël”. São situações muito especiais, que não podem constituir regra geral.
Acredito que uma escola como a proposta no filme, sem currículos pré-definidos, na qual o ensino vai seguindo o curso e o ritmo dos interesses dos discentes, pode dar certo para pequenos grupos de alunos, muito especiais, mas é absolutamente utópica se aplicada a grandes grupos, na generalidade dos casos.
Essa é a minha crítica fundamental a iniciativas como a da Escola da Ponte, em Portugal, e a do modelo proposto nesse filme. Não nego que possam dar certo em casos concretos, ou em grupinhos muito especiais; o que afirmo é que são inaplicáveis em larga escala.
Uma palavra final sobre a “formação humanística” proposta pelo filme. Ele não diz isso claramente, mas a “formação humanística” da escola waldorfiana, que inspira o filme, por sua vez se inspira na Teosofia, doutrina de fundo ocultista, reencarnacionista e panteísta, professada pelo filósofo ocultista austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) durante quase toda a sua vida adulta, ou na Antroposofia, pequena variante da Teosofia proposta pelo mesmo Steiner no final de sua vida, quando se dissociou da Sociedade Teosófica por discordar de que o então jovem indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986) fosse uma reencarnação de Buda ou, como pretendiam outros adeptos da Teosofia, do próprio Jesus Cristo. Há, portanto, no filme, uma mensagem de fundo religioso, embora em nenhuma passagem isso fique declarado.
Já entre os marxistas, que mais diretamente conduzem a Escola da Ponte, em Portugal, o ideal da “formação humanística” é o de formar “cidadãos críticos” que só sabem criticar os modelos “capitalistas” ou “neoliberais” contrários àquele no qual foram formatados. Como dizia o impagável Millor Fernandes, é impossível existir um pensador marxista, porque ou ele é marxista, ou ele pensa. Se for marxista, não pode pensar; e se pensar, não pode ser marxista…
Creio que, em linhas gerais, exprimi minha crítica bastante severa ao filme. No próximo artigo, mostrarei algumas ideias positivas inspiradas por ele. Afinal de contas, como ensinava o Apóstolo São Paulo (1Tess, 5, 21), devemos experimentar de tudo e reter o que é bom…
Armando Alexandre dos Santos é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História