Mediocridade e o fantasma do neofascismo

Adelino Francisco de Oliveira

A civilização é um projeto em aberto, que deve ser assumido e renovado pelo conjunto da sociedade, correndo-se o sério risco de um retrocesso trágico e catastrófico à barbárie. Há sempre uma possibilidade real de que toda arquitetura civilizacional seja colocada a baixo, por forças obscuras, que podem emergir em momentos de crise e fragilidade social.

A decadência civilizacional acaba por se expressar na ascensão de um tipo de pensamento acrítico, incapaz de compreender a existência e a própria cultura numa condição complexa. Ganham espaço a vulgaridade, a boçalidade e o senso comum, a definirem um modo de existência e de compreensão política. Emerge um sujeito cheio de opiniões e pontos de vistas, a explicitar olhares estreitos e carentes de fundamentação sobre os mais diversos temas. Em suas análises sobram homofobia, xenofobia, preconceito étnico-racial, machismo, misoginia, repúdio a expressões artísticas etc.

O cerne da leitura de mundo desse sujeito massificado é o fundamentalismo. Não somente o fundamentalismo religioso, mas também o político, o econômico, o cultural. Todo tipo de fundamentalismo, a vicejar como erva daninha, tomando corações e mentes.

Talvez a consequência mais direta da ação dos sujeitos massificados seja o despontar de um neofascismo, como expressão de um mundo avesso a qualquer possibilidade de democracia e intolerante com outras formas de pensamento e de arranjo existencial. A culminância de um ambiente cultural a fomentar o retorno de perspectivas fascistas, calcadas na mais sólida e contumaz ignorância acerca dos desdobramentos da própria história, pode implodir com o arcabouço civilizacional. Mas o fascismo significa, sobretudo, a derrocada da civilização e a vitória da barbárie, na forma de sistemas totalitários, a suplantarem qualquer noção de direitos humanos, de justiça social e mesmo de liberdade.

A futilidade das preocupações cotidianas não permite ao sujeito massificado discernir sobre as possibilidades que a existência singular e as relações em sociedade podem alcançar. Concebendo o mundo a partir de definições estáticas, o sujeito massificado, em suas percepções medíocres, acaba por semear cizânia, promovendo segregações ao perseguir, difamar e repudiar tudo que se apresenta como diferente. É a afirmação da barbárie e o colapso fatal da civilização.

O conhecimento histórico desvela-se como imprescindível para se conservar e se avançar civilizacionalmente, na medida em que pode evitar a reedição de erros que marcaram o passado. A ignorância histórica não deixa de se constituir como um mal terrível, que pode colocar por terra toda uma construção cultural. Na mitologia grega o rio Léthê – que fluía nas profundezas inférteis do Hades – provocava, em quem bebesse de suas águas, a aflição do total esquecimento. Cabe à educação, em um sentido amplo, promover a Alétheia, a compreensão da verdade, não deixando ninguém alheio aos princípios basilares da civilização.

O movimento de reconstrução civilizacional – negando e suplantando todas as formas e expressões de barbárie – desvela-se como tarefa urgente e fundamental. É preciso recompor a utopia de um mundo livre e igualitário, rompendo com os mecanismos de opressão e exploração. É preciso ainda recuperar o ideário de um indivíduo autônomo, emancipado, singular, sensível e ilustrado, apto a pensar a existência, as relações e a vida em sociedade em uma dimensão ética, crítica, aberta e plural. Talvez essa seja a grande e imprescindível missão de nosso tempo. O que está em pauta é nada menos do que a própria concepção de cultura e humanidade.

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Adelino Francisco de Oliveira, Doutor em Filosofia. Mestre em Ciências da Religião.; professor no Instituto Federal, campus Piracicaba; [email protected]

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